A guerra em um mundo sem muitos Schindlers


15 fevereiro 2006

Oscip paulista utiliza pesquisa e educação para combater a extinção de animais no Brasil.

Cinéfilos de plantão, atenção! Esta matéria terá sua linha de argumentação levemente inspirada em dois filmes de muito sucesso no mundo inteiro, e que infelizmente guarda ligações diretas com o assunto a ser tratado: Guerra dos Mundos, obra literária de HG Wells e transformada em filme pela segunda vez em 2005, por Steven Spielberg, e A lista de Schindler, baseado em fatos reais, rodado em 1993 também por Spielberg.
Trocando em miúdos, o primeiro trata da invasão de extraterrestres ao planeta Terra, com o objetivo de exterminar os seres humanos e o segundo conta a história de um empresário que salvou a vida de dezenas de judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
O leitor pode estar se perguntando se este espaço mudou o seu objetivo e temática, passando a apresentar opções culturais. Não se trata disso, fique tranqüilo. Os filmes citados são pistas sobre o que falaremos hoje, ou seja, a extinção de espécies animais. Este assunto que comoveu o mundo no cinema – tudo bem que é ficção, mas vale como exemplo –, parece ter menos força quando a vítima não faz parte da espécie humana.
Pesquisando a lista de espécies animais ameaçadas de extinção somente em nosso país, comecei a contá-las. Parei quando o número passou de cem, e fui direto ao total. O Brasil possui atualmente 208 espécies na lista oficial de animais ameaçados de extinção e dez novas espécies serão adicionadas em breve. De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a exploração desordenada tem levado a fauna brasileira a um processo de extinção de espécies intenso, seja pelo avanço da fronteira agrícola, seja pela caça esportiva, de subsistência ou com fins econômicos, como a venda de peles e animais vivos. O processo vem crescendo nas últimas duas décadas, à medida que a população cresce e os índices de pobreza aumentam.
E como reverter esse quadro, ou seja, poupar da extinção as espécies que têm papéis importantes na natureza? A palavra chave é protagonismo, traduzida na prática por compreensão, compromisso e ação positiva e transformadora. Para mudar a história de um cenário socioambiental degradado, a iniciativa deve entender o estado atual, os riscos mais sérios e iminentes, os principais agressores e as estratégias adequadas para interromper a violência, e começar a caminhar no sentido contrário, ou seja, o da preservação.

Educação e conservação
 O cantor brasileiro Gabriel Pensador dá a seguinte mensagem em uma de suas composições: “Muda que quando a gente muda o mundo muda com a gente… a gente muda o mundo na mudança da mente… e quando a mente muda a gente anda pra frente”. A letra trata de decisão, vontade de fazer diferente, transformar-se a si mesmo como forma de transformar o mundo.
É a história de Claudio Padua, atual diretor científico do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), Oscip com sede em Nazaré Paulista, São Paulo, e que tem como principal missão promover a conservação dos recursos socioambientais do Brasil, por intermédio da educação, ciência e negócios sustentáveis, acreditando que o ser humano tem dever ético com a biodiversidade.
 Em 1978, quatro anos antes da fundação da entidade, Claudio resolveu deixar para trás a carreira bem sucedida de diretor administrativo de indústrias no Rio de Janeiro, para se dedicar exclusivamente à biologia e à pesquisa do mico-leão-preto, espécie considerada extinta até por quase um século e um dos primatas mais raros do mundo. A mudança, aos 32 anos, foi radical e incluiu sua esposa, Suzana Padua, e seus três filhos, que, no final da década de 80, tiveram de se mudar com ele para o Pontal do Paranapanema (extremo oeste de São Paulo) a fim de pesquisar o mico-leão-preto.
 Os estudos indicaram a Claudio que a verdadeira conservação da espécie só poderia ser feita com o envolvimento da comunidade localizada no entorno do hábitat do mico-leão-preto. Foi então que as iniciativas de educação ambiental da organização começaram, sob responsabilidade de Suzana, que tinha como meta persuadir os moradores daquela região sobre a importância da proteção da natureza. Era preciso ficar bastante claro que a conservação das espécies animais não ajudaria apenas a Mata Atlântica, mas era também fator determinante para a qualidade de vida de cada uma das pessoas que tinha sua vida construída naquela região.
 O trabalho do casal começou a ganhar projeção, e outros pesquisadores e estagiários uniram-se a Claudio e Suzana para criar o IPÊ, que inicialmente teve sua sede em Piracicaba (SP). A atual gestão tem Suzana como presidente do instituto e Claudio como diretor científico. “Hoje o IPÊ é considerado a terceira maior ONG ambiental do Brasil”, conta Suzana.
O instituto, que começou com o Projeto Mico-Leão-Preto, conta hoje com mais de 70 profissionais trabalhando em cerca de 30 ações espalhadas pelo Brasil: Estação Ecológica de Anavilhanas (AM), Pontal do Paranapanema e Nazaré Paulista (SP) e Parque Nacional do Superagüi (PR). O IPÊ mantém pesquisas também em regiões como Ilha Grande (PR) e Ivinhema (MS).

Profissionalismo
Nos locais onde atua, a organização tem adotado o modelo IPÊ de Conservação, desenvolvido pela experiência obtida com os anos de trabalho. É um modelo de ação integrado que inclui pesquisa de espécies ameaçadas, educação ambiental, restauração de hábitat, envolvimento comunitário, desenvolvimento sustentável, conservação da paisagem e participação em políticas públicas. “Nosso objetivo é conservar a biodiversidade respeitando as tradições das comunidades no entorno dos locais que precisam ser protegidos e onde são realizadas as pesquisas”, informa Claudio. E ele completa: “As alternativas sustentáveis para geração de renda surgem como novas fontes de sustento para as famílias destas regiões, o que auxilia na diminuição da pressão humana sobre a biodiversidade local”.
Uma das preocupações do IPÊ desde a sua criação é a transferência do conhecimento adquirido em suas pesquisas. Por isso capacita continuamente seus profissionais e dá oportunidades e incentivo aos estagiários, que, muitas vezes, continuam a trabalhar no instituto após a graduação. “Atualmente nossa equipe conta com 16 mestres, seis mestrandos, cinco doutores e sete doutorandos, muitos deles professores do Centro de Biologia da Conservação (CBBC)”, conta Suzana. O centro de ensino multidisciplinar foi criado pelo IPÊ para multiplicar e transmitir o conhecimento em biodiversidade e temas socioambientais a um público amplo, que inclui todos os segmentos sociais.
Os trabalhos desenvolvidos pelo IPÊ têm obtido resultados expressivos, fato reconhecido pelo número de prêmios recebidos nos últimos anos. Entre eles, destaca-se o Withley Gold Award, prêmio internacional considerado o Oscar da conservação do meio ambiente. Em 2003, o instituto foi um dos vencedores do Prêmio Bem Eficiente, que premia as 50 entidades mais bem administradas do país, além de vários reconhecimentos prestigiosos nacionais e internacionais.
 Talvez a matéria tenha desapontado os cinéfilos, uma vez que não entrou em detalhes sobre as produções cinematográficas citadas. Entretanto, é certo que o tema atrai a atenção daqueles que corroboram com a frase de Oscar Schindler, personagem real que inspirou o filme de Spielberg: “Quem salva uma vida, salva o mundo inteiro”. A esperança de cada pessoa que acredita nesta máxima é de que os movimentos de preservação ambiental ganhem força continuamente, e tenham tanto sucesso quanto tiveram os heróis do filme Guerra dos mundos, em que os predadores são derrotados.
Só uma consideração final: no mundo real, os predadores não são extraterrestres.

Números do IPÊ
– 208 espécies animais ameaçadas de extinção
– 1982 é o ano de fundação da entidade
– 70 profissionais

IPÊ – Sede
Rodovia Dom Pedro I, km 47
Nazaré Paulista/SP
CEP 12960-000
www.ipe.org.br
ipe@ipe.com.br
Telefax (11) 4597-1327

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