Anedotário sem graça


20 janeiro 2010

Tempos difíceis para quem nutre algum tipo de amor pelo Brasil.

Um levantamento da ONG Transparência Brasil sobre os orçamentos da União, dos estados e municípios revela que o Senado é a casa legislativa que tem o orçamento mais confortável por legislador: seus R$ 2,7 bilhões anuais correspondem a R$ 33,4 milhões para cada um dos 81 senadores.
A partir de uma leitura comparativa que não demanda muitos aprofundamentos, fica visível a incômoda conclusão que o nosso Senado custa mais do que o dobro dos países desenvolvidos.
Inserindo no balaio a questão da produtividade, certamente a conta fica ainda mais cara, pois a contribuição efetiva dos senadores é ínfima. Se fossem funcionários de uma empresa ou até mesmo uma ONG séria, estariam na rua por incompetência, no mínimo.

Tempos envergonhados para quem nutre algum tipo de amor pelo Brasil.

O humor sempre foi uma forma de crítica; os palhaços – meus colegas de profissão – vêm se valendo dele há milhares de anos para criticar de forma criativa e envolvente os disparates públicos e privados.

Voltando ao tema da produtividade, uma correção: parafraseando o presidente Lula, nunca na história deste país uma casa produziu tantos disparates em um intervalo tão curto de tempo. No retorno das abundantes férias parlamentares, bastaram algumas horas para que os senadores enchessem de vergonhas seus representados.

Voltemos ao humor.

Os políticos e as fraldas
Embora o fértil escritor português Eça de Queiroz tenha morrido em 1900 na luminosa Paris, talvez uma de suas frases nunca tenha se encaixado tão bem em uma situação. Segundo ele, “os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão.”
O senador Renan Calheiros (PMDB-AL), inclusive, reforça a potência da frase quando chama, dentro do Senado Federal, o seu colega Tasso Jereissatti (PSBD-CE) de “coronel de m…” Viva a democracia e o decoro parlamentar!

Todas as categorias de cangaceiros
Em resposta à ofensa recebida, o senador Tasso chamou o senador Renan de “cangaceiro de terceira categoria”. Oras bolas, eu nem sabia que a profissão era regulamentada, possuindo diversos níveis de competência. Pura ignorância de minha parte. Qual será a meritocracia utilizada para a promoção de categoria?
Um pouco de história: o “Rei do Cangaço”, Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião, liderava um bando que sequestrava crianças, botava fogo nas fazendas, exterminava rebanhos de gado, estuprava coletivamente, torturava, marcava o rosto de mulheres com ferro quente, entre outras práticas pouco gentis. Seria ele o “cangaceiro de primeira categoria”?

As mil palavras do caçador de marajás
Ainda sob o mesmo teto parlamentar, o senador Fernando Collor (PTB-AL) apresentou ao senador Pedro Simon (PMDB-RS) uma lista de palavras bastante exóticas, acompanhadas de caricaturas faciais que fizeram atores dramáticos corar de inveja. Faz-se necessário traduzir, de acordo com o Houaiss:

Hebdomadário: publicação que aparece regularmente a cada semana; semanário.
Deblaterar: expressar-se calorosa e criticamente (contra alguém ou algo).
Parlapatão: que ou o que se vale de embustes, de contar mentiras e vantagens.

Todas as pelejas no Senado estão acontecendo em função dos ataques e defesas em torno do presidente da casa, José Sarney (PMDB-AP). O mesmo que foi chamado pelo senador Collor, em 1989, de “irresponsável, omisso, desastrado e fraco”, palavras que estão vivas no You Tube. Não sei quais delas são mais difíceis de entender, engolir e digerir, as de agora ou as de 20 anos atrás. 

Encontro de poetas
Como o assunto chegou ao senador maranhense eleito pelo Amapá, imortal da Academia Brasileira de Letras, cabe uma homenagem poética com um trecho do “Poema em linha reta”, escrito por Fernando Pessoa via heterônimo Álvaro de Campos, que muito lhe parece apropriado:

“…
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
…”

Comunicadores do meu Brasil
Muitas centenas de pedidos de concessão de rádios (comunitárias ou não) aguardam aprovação governamental. Rufem os tambores! Atenção, proponentes de todo o Brasil: o mais novo contemplado nesta porta de esperanças trocadas é o atual prefeito de Murici/AL, o senhor José Renan Calheiros Filho. Coincidentemente, ele é filho do senador acusado de ser um “cangaceiro de terceira categoria”. Viva a democracia e as amizades oportunistas.

Figuras de linguagem
Por falar em repetição, há alguns meses este mesmo espaço apresentou ao leitor o conceito de oxímoro, uma figura de linguagem que combina palavras contraditórias em uma mesma oração. O prêmio de “Oxímoro do Século” vai para a Comissão de Ética do Senado. Afinal, em seu grupo de integrantes, a grande maioria responde por processos em diferentes níveis judiciários. Bastante compreensível, portanto, a decisão inicial de inocentar o poeta Sarney de todas as acusações.

Em um dado momento da história de Roma, exatamente em 44 a.C., os senadores se uniram para encerrar violentamente o governo de Júlio César, por muitos considerado um anti-republicano. Entre aqueles que desferiram as derradeiras punhaladas encontrava-se Brutus, amigo próximo da vítima. Traição sob pretexto mentiroso de salvar a República, camuflagem tosca da hedionda sede por poder e dinheiro. Tudo tão parecido com o que acontece por aqui. Única dúvida: serão necessários mais dois mil anos para deixarmos de chafurdar na lama moral?

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