Em 1995, quando cheguei à capital de São Paulo para cursar o Ensino Superior, meus pais compraram uma linha telefônica da Telesp. Valor de investimento: quatro mil e quinhentos reais.
A telefonia móvel celular em São Paulo tinha sido inaugurada em 1993, mantendo-se por muitos anos como artigo de luxo. A imensa maioria dos brasileiros tinha mesmo de pagar caro para ter um telefone, aguardando com bastante paciência em alguns casos.
Nos dias de hoje, em vez de uma linha fixa, eu e meus familiares compraríamos um chip pré-pago celular de uma mesma operadora, falando praticamente de graça entre nós.
O tempo passou e veio a privatização das telecomunicações, fazendo o valor do ativo “linha telefônica” despencar mais que a máscara de alguns senadores recentemente, confessos surpresos por receberem auxílio-moradia mesmo sem tal direito ter.
Em termos de retorno financeiro, talvez tenha sido um dos piores investimentos que os meus pais tenham feito. Em termos de retorno para o país, alguns representantes públicos também apontam péssimo retorno.
No final de 2008, o número de linhas de celulares atingiu 121 milhões de unidades, atendendo a quase 64% da população. Muita gente habilitada para se comunicar.
Fim das referências pragmáticas. Vamos para o campo do comportamento, onde moram as relações humanas.
Há alguns dias vivi mais uma história marcante em uma visita hospitalar. De um lado, uma paciente na faixa dos sessenta anos. Do outro, o personagem palhaço que interpreto nas visitas hospitalares, Dr. Raviolli Bem-te-Vi(1). Entre eles, como instrumento protagonista, um telefone celular.
Ao cruzar um corredor da unidade de saúde, fui chamado por uma paciente. Ela estava aflita. Queria expressar uma necessidade premente: o desejo de se comunicar com a sua mãe; há dias não enviava notícias sobre a sua saúde e tampouco recebia novidades sobre a saúde materna. Perguntei como poderia ajudar. Ela me respondeu que se eu tivesse um aparelho celular de uma determinada operadora, poderíamos fazer uma ligação gratuita para uma sobrinha de parentesco distante, na casa de quem estava hospedada a citada mãe.
O meu celular não era da referida operadora, mas eu menti. A causa me pediu.
Antes do desfecho, uma digressão: as atuais operadoras de telefonia têm nomes absurdamente singelos e até certo ponto curiosos, especialmente se comparados aos de outrora. A primeira empresa brasileira no segmento foi a Brazilian Telephone Co., que depois de passar por diversos proprietários, foi incorporada, no ano da proclamação da República, à Brasilianische Elektricitats Geselschaft, com sede em Berlim.
A comunicação humana está cada dia mais simplória, menos pelos nomes que levam as empresas, mais pelo valor dado ao verdadeiro ato de se comunicar.
Pedi à paciente que me dissesse o número da sobrinha. Disquei. Quando alguém atendeu, passei o aparelho à ansiosa filha. Após um rápido cumprimento, percebi que a mãe estava do outro lado da linha. A voz da paciente ficou embargada. Os olhos marejaram.
– Mãe, sua bênção. A senhora está bem? Eu estou melhor, rezo pela senhora todos os dias. Quando eu sair vou direto buscá-la. Te amo, minha linda. Fica com Deus.
A conversa foi rápida. Tempo suficiente para acalmar o peito daquelas duas mulheres, separadas por uma distância que ainda não consegui determinar – e talvez nunca consiga. A paciente era portadora de HIV. Seus filhos não a acompanham durante as sucessivas internações, por desaprovarem o comportamento que a levou à doença. Na solidão que pode existir no ato de ser mãe, aquela mulher buscou abrigo no ato de ser filha.
Poucas vezes na vida o meu aparelho celular foi tão útil. Pouquíssima vezes. Naquele quarto de hospital público, o objeto estabeleceu real contato celular, unindo por microondas e pelo afeto células iguais de mesma origem.
Na exposição do Centenário da Independência dos Estados Unidos, na Filadélfia, ocorrida em 25 de junho de 1876, Graham Bell demonstrou, pela primeira vez em público, que seu invento falava. E foi o imperador D. Pedro II, único monarca convidado para aquela festa, quem inaugurou o telefone. A uma distância de 150 metros, ele pôde ouvir Graham Bell declamar o famoso verso de Shakespeare: "To be or not to be…" (“Ser ou não ser…”, em português). Com o fone no ouvido ele exclamou maravilhado: "My God, it talks!" (“Meu Deus, isto fala!”, em português).
Talvez se hoje vivessem, o cientista e o monarca humanista dessem outro sentido às suas frases: ser ou não ser humano? Meu Deus, eles falam, mas não se entendem!
Tecnologia é meio, não fim. Qualquer apetrecho material, inclusive dinheiro, é meio, não fim. Coisas que são coisas são fundamentais, mas não chegam nem à porta da morada do que é essencial.
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