Creio que vi uma luz do outro lado do rio


15 agosto 2006

Viva os pré-socráticos, viva os socráticos, viva os epicuristas e estóicos! E viva, acima de tudo, à criação de uma sociedade de filósofos vivos.

O Brasil tem proporções continentais. Aposto que todos já leram ou ouviram isto pelo menos uma vez em algum texto ou discurso. As viagens que estou fazendo regularmente pelo país comprovam a afirmação. Uma das semelhanças com um continente reside nas distâncias geográficas entre uma região e outra. E lá se vão horas e horas de vôo. Outra semelhança é a diversidade de crenças, valores e costumes entre as localidades. Cada viagem é uma oportunidade de visitar um outro país dentro do nosso próprio, e em alguns locais me sinto mesmo em outro planeta.
Nestas andanças, a despeito dos desafios de distância e culturas, nuances de um movimento estão ganhando força, promovendo a aproximação de comportamento entre cidadãos brasileiros.
Estou me referindo ao desejo latente – muitas vezes já transformado em ação – de desenvolver uma atividade voluntária, que um número cada vez maior de pessoas está apresentando.
Eu acredito que o ato de se voluntariar, passando da condição de espectador a protagonista social, é um ato filosófico. Isso mesmo. Filosofia pura. Afinal de contas, a arte ou ciência de Sócrates, Aristóteles, Kant e tantos outros não é o gosto pelo conhecimento, o ser amigo do saber? Conheço poucas atividades que proporcionam ao ser humano mais conhecimento (especialmente autoconhecimento) do que o voluntariado. Sendo assim, creiam, sou voluntário, logo aprendo.
Retornando à Grécia Antiga, alguns séculos antes de Cristo, filósofos chamados de pré-socráticos – dentre ele Anaximandro, Heráclito, Parmênides dentre outros – orientavam suas reflexões a temas relacionados à natureza e ao ser. Daí veio Sócrates (século quinto antes de Cristo) e criou uma revolução intelectual ao elaborar a interrogação “Quem sou eu?”, fortalecida ao longo do tempo pelo famoso “Conhece-te a ti mesmo”.
Para concluir este breve mergulho filosófico, coloco sobre a mesa duas linhas de pensamento que vieram na seqüência: a epicurista e a estóica. Muita calma nesta hora. Está tudo sob controle. Os nomes são potencialmente assustadores, mas suas formas de pensar são simples.
Os primeiros, discípulos de Epicuro, tratam de gozar o máximo possível e de sofrer o mínimo possível, pela redução dos objetos de desejo, centralizando a busca naquilo que é verdadeiramente natural e necessário. A “receita” é aumentar a chance de alcançar os objetivos, aumentando o prazer, e por conseqüência a felicidade. Para Epicuro, viver bem significa viver com prazer, enquanto que para a outra corrente citada, a estóica (Epicteto ou Marco Aurélio, por exemplo), isso quer dizer viver de modo virtuoso, sendo o seu bem um bem moral, gerado por um comportamento virtuoso, ético e positivo.
Alguém apostaria as suas fichas da felicidade em uma corrente em detrimento da outra? Eu particularmente, não. E percebo na atividade voluntária uma possibilidade de desenvolver habilidades e competências, assim como emoções inteligentes geradoras de auto-conhecimento, que aumentam as chances de o indivíduo encontrar a sua direção, ficando à vontade e com vontade para curtir a estrada que é a felicidade.
As histórias que chegam ao Canto Cidadão (ONG na qual estou diretor) pelos seus voluntários são verdadeiros tratados filosóficos de descobertas individuais, em sintonia com o auxílio social que está sendo prestado. E o que percebo nas citadas viagens é que o desejo de participar está vivo, e não ficou para trás com o distanciamento do marcante ano de 2001, denominado o Ano Internacional do Voluntariado.
Importante frisar, entretanto, que o desejo de ser protagonista é uma energia em potencial que pode, ou não, se tornar luz. Faz-se necessário o gesto de ligar o interruptor. No caso da ação voluntária, seja ela relacionada a um programa social instituído ou a uma mudança individual de postura perante a sociedade, a luz deriva da sensibilização (comunicação social clara e empolgante) e da informação (capacitação dos interessados).
Por onde passo lanço a mensagem de que ser protagonista é a fórmula mais eficiente que conheço de desenvolvimento pessoal e equilíbrio social. Viva os pré-socráticos, viva os socráticos, viva os epicuristas e estóicos! E viva, acima de tudo, à criação de uma sociedade de filósofos vivos. Creio que vi uma luz do outro lado do rio. Vamos atravessá-lo, construindo pontes com emoções inteligentes, solidárias e divertidas.

P.s.: O título e a última frase deste texto foram extraídos da música de Jorge Drexler “Al outro lado del río”, tema do filme “Diários de Motocicleta”. Se você ainda não assistiu ao filme ou não ouviu a música, aqui estão dadas as dicas.

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