Etapa 3 – Jornada de Visitas aos Doutores Cidadãos (Instituto Central do HC)


6 setembro 2017

TERCEIRA ETAPA DA JORNADA DE VISITAS

Local: Instituto Centro do Hospital das Clínicas de São Paulo-SP

Data: 5 de setembro de 2017

Horário: 19h às 21h30

Participantes: Adelmo Antonio da Silva Eloy (Dr. Fetutico), Felipe Mello (Dr. Raviolli Bem-te-Vi), Juliana da Silva Hernandes (Dra. Matraca Calzone), Marcos Amaral (Dr. Curió Linguine) e Max Canova Bonani Francisco (Dr. Sasamilhone).

 

Diário da Visita (por Felipe Mello, fundador do Canto Cidadão

De volta ao Instituto Central do Hospital das Clínicas, na sequência da Jornada de Visitas. A cada agendamento de nova visita aos voluntários atuantes, aumenta a clareza do valor de olhar nos olhos, apertar a mão e caminhar ao lado de quem está disposto a fazer o bem de forma bem feita. A visita que conto aqui reforçou a possibilidade da espontaneidade, por vontade, no cumprimento dos acordos.

Cheguei com 40 minutos de antecedência ao hospital. Estava com fome do dia ainda não almoçado. Fui à lanchonete e pedi três itens, dois iguais e um diferente. A moça do caixa errou e lançou em seu sistema três itens diferentes. Olhei para ela, para a a notinha e apontei o erro. Ela disse que cancelaria e faria novamente. Olhei para a notinha de novo e vi que eu queria o pedido diferente, o fruto do erro, reconhecido por mim como melhor opção. Disse a ela que, sem querer, ela havia acertado. Ela riu. Eu paguei e fui comer, feliz pelo erro ter permitido ao palhaço a conquista de mais um sorriso, o primeiro da noite.

Sentei-me ao balcão e mandei ver. Tinha fome. Lanchonetes ao lado de hospitais tão grandes, complexos e diversos como o Hospital das Clínicas de São Paulo são terrenos férteis de diversidade. Gente de todo tipo e de toda parte. Pacientes, acompanhantes e profissionais da saúde dividindo o mesmo espaço. Gente em dúvida quanto ao seu diagnóstico, gente torcendo pelo bem-estar do paciente, gente saindo de plantão após horas e horas de trabalho.

Apesar de existirem diferenças radicais entre as unidades de saúde, especialmente a disparidade entre aquelas que são de alto padrão e ocupadas por parcela mais reduzida da população e aquelas ainda precárias pela má vontade de gestores feios, algo une as pessoas nesses locais: esperança e confiança.

Última mordida, último gole e novos passos em direção ao ponto de encontro. Cheguei antes de todos. Em seguida, um, dois, três e quatro palhaços chegaram. Mais precisamente, três palhaços e uma palhaça. Todos vindos de suas atribuições cotidianas. Gente que cruzou a cidade e chegou pontualmente ao trabalho voluntário, mesmo em horário de pico. Organização e capricho para fazer o bem de forma bem feita.

Antes de subirmos para a troca de figurinos, conversamos rapidamente sobre o Acordo de Responsabilidades* e a atuação na visita. A parte do Acordo foi bem simples, pois esse grupo atua junto há muitos meses e, espontaneamente, já tem um profundo respeito aos combinados entre si, com o hospital e com o Canto Cidadão. Ajustes aqui e acolá, claro, mas uma vontade de fazer bem feito estampada nos rostos, discursos e atitudes.

Sobre a atuação, relembramos dois motes: Dia do Irmão e Dia da Amazônia. Esse grupo combina antes da ida ao hospital o que vão deixar na manga como puxa-assunto. Também produzem pequenos papeis com frases de gente inspiradora para presentear visitados. A protagonista da vez foi Madre Teresa de Calcutá.

Todos prontos! Figurinos aprumados, sorrisos largos, olhares atentos e corações abertos. Logo na saída da sala da Assistência Social, onde nos trocamos, ficou claro o resultado da regularidade das visitas daquele grupo. Por onde passavam, eram saudados pela equipe. Turma da Limpeza, Enfermagem, Farmácia, Copa e etcetera. Reconhecimento do novo retorno de quem há muito diz que vai voltar e volta. Colheita de fruto nobre, conquista de sabor indizível.

Fomos à ala de Queimados e lá ficamos parte substancial da noite. A cada quarto, pessoas marcadas no corpo e na alma. Todavia, a cada visita, o time deixava claro que o visível era menos importante. O encontro era para além dos corpos. Praticamente todos os quartos tinha isolamento de contato. Ainda assim, à distância, a proximidade se fez presente.

Pacientes adolescentes, adultos acompanhantes, profissionais da saúde indo e vindo em seus afazeres. O corredor daquela unidade tão complexa ficou mais simples, ao menos ao meu ver. Antes de entrar, eu fora visitado por uma sensação de receio. Não raro isso acontece, especialmente quando estou prestes a entrar em espaços mais desafiadores. No entanto, a complexidade maior estava em minha cabeça. Apesar da condição de saúde fragilizada de muitos, a visita mostrou que a simplicidade dos bons encontros tem lugar de honra na hora de amenizar as dificuldades latentes.

Novamente, a relação entre os Doutores Cidadãos e os profissionais da saúde se mostrou forte, laço construído pela confiabilidade. A cada encontro no corredor, gracejos, palavras boas, sorrisos, casos compartilhados. Nada de afetação, apenas reconhecimento mútuo de valor pela atitudes já demonstradas.

Descrever cada quarto tomaria páginas e páginas. Palhaço de nome fofinho que encontrou um irmão no quarto do menino do violão cuja mãe tinha uma camisa iluminada por mil pilhas. Moço gentil do samba e do pagode, que conheçou a esposa galinha do palhaço grandão, muito maior que o Super Homem. Esposa do paciente portenho que nos mostrou no celular o senhor que toca arpa e tantos, tantos outros momentos. A palhaça professora que toma conta dos palhaços marmanjos-meninos e coloca muitas mãos a serviço das boas palavras. Quanta gente interessante. Quantas possibilidades de se mudar o cotidiano por meio dos saberes e sabores essenciais e disponíveis a quem se entrega a novas experiências. E, como nota especial, a moça das pêras que acordou na UTI.

Pois é. Ao entrar na UTI da ala de Queimados, papo com a equipe de Enfermagem e o pedido de orientação sobre os pacientes. Uma delas parecia dormir. A enfermeira disse que eu poderia conversar com ela, pois estava acordada. Cheguei perto, acompanhado por um dos palhaços, que por aquela noite virara meu irmão mais bonito. E põe beleza nisso. Pouco a pouco, a conversa com a moça das pêras foi acontecendo. Sem pressa, sem forçar a barra. Sem querer ser o piadista de plantão ou o palhaço mais engraçado do pedaço. Apenas uma aproximação lenta e gradativa, inspirada pelos movimentos e indícios de interesse da paciente. Instantes depois, além do respeito estabelecido em forma de papo, começam a eclodir os sorrisos. Assuntos tão triviais, mas temperados com graça, pintaram o pequeno quarto de cores congraçadas e engraçadas. Dicas de cuidados com os cabelos, semelhança de um ou outro com artistas, origem dos nomes, micro-narrativas tão humanas, mas tão humanas, que abriram estrada para o desfile da boa humanidade. Ao final do papo, revelei à moça que eu tinha ido lá, exclusivamente, para declarar a minha torcida por ela. Assim também o fez o palhaço ao meu lado. Ela nos devolveu a declaração com um agradecimento molhado, pois havia caído um cisco em seus olhos.

As andanças seguiram por mais um tempo, fortalecendo a crença no poder do sorriso, dos bons encontros, da simplicidade como caminho nobre para acolher as coisas complexas.

Fui embora grato por estar perto de gente que respeita o voluntariado e a arte em hospital, dedicando-se à causa e fazendo-a melhor a cada dia, aos poucos, pela presença e pela vontade de caprichar. Parabéns e obrigado. Até logo!

*Conheça o Acordo de Responsabilidades dos Doutores Cidadãos em https://www.cantocidadao.org.br/AcordodeResponsabilidades_Agosto17.pdf