Eu e a tecnologia


30 abril 2010

– Chico, por favor, agora, não! Não falarei novamente. Olha… Cadê o respeito? Eu vou contar até três…MP1, MP2, MP3! Agora, chega! Sem a nem b! Hora de você voltar para a pasta de MPB.

Pois é. A vida tecnológica, high tech, era da informação, século 21 é assim. Na verdade a alcunha que eu mais gosto para o nosso tempo é pós-modernidade. Ah, como é sonoro ouvir que somos além da modernidade. O leitor pode ficar tranqüilo que eu explicarei o diálogo inicial. Mas é claro! Eu já ia me esquecendo. O Chico em questão é ele, sim. O Buarque de Holanda. Aclamado, amado, filmado, mimado por quase todas – literalmente – as mulheres e também quase todos os homens. Chico trabalha para mim. Por enquanto é o que eu posso dizer. Ou melhor, por enquanto é o que eu quero dizer. É mais sincero assim.

Estou comemorando mais um motivo durante esta minha estadia nos 32 anos. Viva a tecnologia! Embora eu possa apresentar muitas críticas à forma como aplicamos o conhecimento nos dias atuais, primeiro eu quero confessar meu sincero apreço pelas diversas bênçãos modernas. Pode apostar que antes do derradeiro ponto deste texto eu deixarei pingar umas gotinhas de fel no assunto, pois qual paixão pode preceder de um pouco de raiva?

Eu não exagero quando chamo de bênção alguns frutos da tecnologia. Eu realmente quero dizer isso, ou como dizem os ingleses, “I really mean it!”. Perdão pela soberba. É que é chique soltar uma frase estrangeira aqui e acolá. Oui? Vamos em frente, tenho muito a comemorar neste motivo. Voltando ao caráter abençoado dos aparatos modernos, penso no que poderia ter sido da humanidade se houvesse internet ou tevê a cabo na época de Jesus Cristo. Ainda mais perto de nós, imaginem se Madre Tereza de Calcutá tivesse um blog, Gandhi um perfil no Facebook, Buda sendo um twiteiro de marca maior, entre tantos outros exemplos. Uau, que poder revolucionário individual chegando a milhões de terrenos ávidos por algo fértil!

É isto que me fascina na tecnologia: seu poder de ampliar possibilidades! É claro que a tecnologia é boa quando é bem utilizada. Existem infinitos exemplos de má utilização, alguns inclusive terríveis: bomba atômica, avião, pólvora. Pegando mais pesado, cito armas mais letais, que desprezam em quase toda sua magnitude o potencial exuberante da tecnologia: televisão, rádio, revistas, jornais e internet. Os meios de comunicação, enfim. Triste o que fazem com eles. Espetacular o que podemos vir a fazer com eles.

Como o motivo é de comemoração, sigo para o lado luminoso da força, embora seja um baita alívio ter a consciência de discernir quais são as boas e más aplicações da tecnologia. Coisas boas existem em tamanha quantidade quando sabemos aproveitar. Um aparelho portátil, pequenino do tamanho de uma caixa de fósforo é capaz de armazenar milhares de músicas. Toda a coletânea de centenas de cantores, cantoras, orquestras, palestras, audiolivros e tantas outras expressões humanas verdadeiramente positivas. Eu posso, atualmente, carregar toda a história do pensamento em meu bolso, literalmente! Eu corro regularmente com Platão, Nietzsche, Clarice Lispector, Schopenhauer, Hércules, Rubem Alves, Mario Quintana, Sófocles, Drummond, Fernando Pessoa e tantos outros atletas da sabedoria e da sensibilidade. Haja pernas para correr em direção às obras de arte que estes mestres deixaram!

Nenhuma tecnologia substitui alguns métodos mais tradicionais de prazer. Exemplo óbvio é o bom e velho livro! Aquele que nos acompanha pela vida, ocupando espaço em nossa estante, e que vez ou outra folheamos e penetramos nas páginas recheadas de almas intensas. Não se trata, quero reforçar, de achar que um bom papo pela internet tem de substituir o delicioso tete a tete. Não gosto de reduzir a questão a esta dicotomia. Inquestionável, porém, é a oportunidade que a internet, especialmente depois que inventaram a webcam e o Skype, nos dá de nos aproximarmos de quem está longe. Quero continuar vendo minha família ao vivo, assim como amigos, conhecidos e aqueles que estou por conhecer. Quero tocá-los, cheirá-los, senti-los tão perto a ponto de ver as cores de seus sorrisos. Mas acho o máximo poder ver e falar com quem está do outro lado do mundo, em tempo real, pagando centavos. Não quero ficar longe das pessoas que eu gosto, mas quando elas tiverem de voar – sempre com o meu apoio e torcida, assim espero -, que a tecnologia bem utilizada amenize este bolso onde a alma guarda o que provou e aprovou, a distinta saudade. Viva, Rubem Alves!

Nas ciências médicas, transportes, alimentação, educação e outras, tecnologia é como uma semente. Guarda dentro de si, em potencial, o bem estar. Mas o seu desabrochar e frutificação não é líquida e certa, já que depende da intenção e gerência de seu usuário. Benjamin Franklin disse que a maior sabedoria consiste em saber como aumentar o bem estar no mundo. Sim, sim. Ele mesmo quase se estropiou na incessante caminhada rumo às suas descobertas, mas tenho certeza que sua maior motivação era melhorar a dignidade da vida humana. Acredito que esta seja a definitiva balança: a tecnologia aplicada à nossa vida aumenta ou diminui a minha dignidade de existência? E de quem está perto de mim e por mim é influenciado? Eu comemoro o fato de sentir que tenho minha dignidade ampliada pelo correto uso da tecnologia. Sempre me lembro quem é o dono de quem, ou seja, ela é minha serva e não senhora tirana.

Já pensou se alguém justificasse o extermínio das árvores porque podem cair galhos nas cabeças das pessoas ou frutos pesados como a jaca? Já pensou se alguém quisesse banir do planeta as rosas porque elas lembram aos apaixonados desiludidos que outras pessoas são felizes no amor? Já pensou se alguém quisesse queimar todos os livros – na verdade já tentaram algumas vezes – pelo fato de eles poderem juntar pequenos bichos e mofo entre suas páginas? Pois bem, absurdo assim é a incoerência que existe no mau trato da tecnologia. Passo longe de ficar satisfeito quando alguém diz que o mundo está assim por conta da demoníaca televisão, ou a peste da internet. A questão é outra, sempre o foi. Certa vez um discípulo pergunta a um mestre o que era o ser humano. O mestre responde que o ser humano é uma casa onde moram dois lobos. O discípulo, intrigado, pergunta qual dos dois lobos é o mais forte. Ao que o mestre responde: – O que você alimenta mais.

Discernimento. Bom senso. Simancol. Coerência. Consciência. A lista pode prosseguir, mas em minha opinião todas caminham para o mesmo sentido: expor à luz a responsabilidade de quem utiliza a tecnologia. Afinal, ela é apenas e tão somente um meio, não um fim em si mesma. Quando se transforma em um fim em si mesma, pode apostar que há um ser humano desgovernado na condição de usuário. Na Idade Média queimaram muitos livros, trancaram bibliotecas, tornaram ainda mais complexo o acesso à tecnologia máxima, o sabor pelo saber. Umberto Eco, em seu romance que virou filme “O nome da Rosa”, revela algo incrível. De forma resumida, o enredo trata da época em que o acesso ao saber literário era restritíssimo. No filme, um monge Franciscano e Renascentista, interpretado por Sean Connery, foi designado para investigar vários crimes que estavam ocorrendo no mosteiro. Os mortos eram encontrados com a língua e o dedo roxos, e no decorrer da história, fica claro que eles manuseavam um livro cujas páginas estavam envenenadas. Então, quem profanasse a determinação de “não ler o livro” morreria antes que informasse o conteúdo da leitura. Tchananan! O livro em questão era uma obra de Aristóteles que falava sobre o riso! “Talvez a tarefa de quem ama os homens seja fazer rir da verdade, porque a única verdade é aprendermos a nos libertar da paixão insana pela verdade”.

É o que eu penso da tecnologia: não quero me apaixonar de forma insana por ela, sob pena de me tornar um escravo ou algo próximo a um parafuso amassado de tanta pancada na cabeça. Quero, sim, rir com as possibilidades de ampliar meus horizontes, entrar em contato com almas imortais em qualquer lugar que eu esteja, comunicar-me para não trumbicar-me. Já que eu vivo em meio à tecnologia, viva a tecnologia. Bebo seu néctar e vou ficando esperto com o seu sedutor e perigoso canto de sereia.

Mil perdões! Agora eu preciso ir. Chico Buarque e Milton Nascimento estão me esperando para um vinho. Cálice, traga pra mim este cálice, de vinho tinto do Chile!

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