Ontem à noite eu fuçava nos meus arquivos antigos do computador. E quando digo antigo, não se trata de uma força de expressão, ou ainda, uma hipérbole. Encontrei fotos digitais de 2001, feitas naquelas máquinas nas quais a gente inseria um disquete e podia gravar incríveis 1,44 MB. Hoje em dia uma foto com resolução média tem esse peso. Durante a minha viagem pelos arquivos do tempo de Noé, percebi algumas coisas. Algumas difíceis de escrever porque me fogem as palavras capazes de fazer jus à relevância dos momentos. No entanto, mirando aquelas infinitas fotografias dormindo silenciosamente em arquivos denominados Backup 1, Backup 2, Backup 3 e muito mais, viajei. Pelas imagens, projetei corpo e alma para tempos distantes, num efeito antigo de videocassete de rebobinar, muito mais poético que o Menu dos DVDs. Para rebobinar levava mais tempo do que leva a tecnologia atual. Era menos prático, mas em termos metafóricos permitia mais possibilidades para a viagem em direção ao passado. E ai de quem devolvesse à locadora sem rebobinar! Além da bronca, algumas cobravam taxa extra. Penso agora que nos custa caro o esquecimento de nossa origem e caminhada. Sinto que sou o resultado dos passos que dei, e também dos que não dei. Movimento e inércia são como a minha respiração. Inspiração e expiração, cada um cumprindo seu papel. Pelas fotos vi a minha filha ainda bebê, depois criança pequena, criança maiorzinha e recentemente chegando à adolescência. O amor nos permite viajar também na caminhada dos amados, pois parte essencial de nossos olhares, gestos e alma seguem escoltando, mirando, torcendo e abraçando o outro. Caminhos distintos, mas que desafiam a noção de que entre linhas paralelas não há contato nunca. Entre duas pessoas que se amam e que caminham pela vida enlaçadas por uma relação sincera, intrusas intersecções permitem um paralelismo transgressivamente unido. Ainda pelas imagens, vi meus pais, irmãos e sobrinhos. Vi e chorei novamente as últimas imagens do meu saudoso pai. Sua última foto vem de um clique meu. Fotógrafo amador, que naquele momento registrou um ser amado que horas depois partiria. Nunca sabemos quando eles se vão. E eles se vão sempre muito cedo. Ah, retinas minhas, máquinas fotográficas indecifráveis e únicas, estejam atentas ao belo da vida e ao nobre das minhas relações. Assino a mais séria das procurações e te outorgo o direito de agir em meu nome, afastando peremptoriamente as nuvens que insistem em nublar a sensibilidade do meu olhar. Felizmente temos cada vez mais mutirões para extrair a catarata física dos olhos de tantos. Ainda não percebo, contudo, nem em mim e nem na maioria, esforços contínuos que extirpem a catarata simbólica. Na derradeira foto de meu pai, estávamos almoçando na casa de um tio. Ele de boné e olhar distante, mas sempre com o sorriso no rosto, ainda que tímido. Pela sabedoria demonstrada em vida, menos pelo glamour e mais pela coerência, parte importante dele já devia saber que a hora da travessia se acercava. Que bom que o meu HD está repleto de fotos que representam a presença dele em minha vida. Imagens eternas, definitivas, impressas em minhas vísceras como ferro em couro de gado. Eu poderia seguir escrevendo por meses sobre as sensações diversas que me encontraram no passeio pelas imagens de mais de 10 anos. Tecnologia a serviço da memória. Ainda melhor se a memória nos permitir reverenciar a vida e suas possibilidades, transformando o passado em trampolim e não em poltrona aparentemente confortável. Em 2012, o Canto Cidadão comemorará 10 anos de existência. Uau! Grande parte de meu acervo de fotos diz respeito às viagens, palestras, treinamentos, reuniões, reformas, expedições, sorrisos e lágrimas plantadas e colhidas. Milhares de programas de rádio, milhares de palestras, milhões de pacientes visitados, milhares de voluntários treinados e muito mais. Muitos registros disso tudo. Pude rever inúmeros momentos vividos. Quantas dúvidas, angústias, obstáculos e vontade de jogar tudo pro ar e voltar à zona de segurança. Também, e felizmente, quantas realizações, encontros, aprendizados, amizades e conquistas. Talvez somente o meu parceiro de toda hora, Roberto Ravagnani, possa me entender neste momento. Mas torço para que os leitores deste texto acreditem, concordem e também já tenham experimentado a possibilidade de desafiar o certo, apostar no duvidoso e sorrir depois pelos resultados já experimentados. De tantos os frutos da visita às fotos, possivelmente virão outros textos. Por enquanto, fico por aqui com a promessa de um carnaval muito gostoso. Montei um samba enredo aos moldes das grandes escolas de samba. Cantarei silenciosamente, para mim mesmo, mas com a energia devida: olha a minha vida aí, gente! Neste caso, o "gente" sou eu mesmo, viu?
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