A espécie humana não vive o seu melhor momento. Possivelmente, nunca na história da humanidade – parafraseando o líder mais influente da humanidade neste momento, de acordo com a revista Time – vivemos um período de tamanha barbárie. Aos defensores do racionalismo e da capacidade produtiva estas afirmações certamente soarão como mero saudosismo de gente atrasada. Até porque esta é a era da criatividade técnica e suas inovações no cotidiano, com aparelhos que facilitam a vida, procedimentos estéticos que fornecem a ilusão da eternidade e pílulas da felicidade – vulgo tranquilizantes – que podem ser compradas por R$ 0,50 na farmácia da esquina.
Embora os argumentos racionais a favor deste momento atual não faltem, quem guarda em si algum tipo de respeito à vida – os benditos sonhadores – percebe o tamanho do engodo disto que se chama civilização. Interessante perceber que se este é o momento civilizado, imagina-se que o passado foi bárbaro – não no sentido positivo do adjetivo. Exemplos ignominiosos de barbárie não faltam na história; o momento presente é apenas mais um, talvez o mais perigoso porque o homem nunca teve tanto poder de destruição em massa. Só os EUA tem mais de cinco mil ogivas nucleares. Que sucesso! Agora eles podem destruir o planeta dezenas de vezes. Sim, barbárie, uma vez que entender como civilização o que se apresenta atualmente é o maior dos crimes contra o futuro da humanidade, pois cria a aparência do caminho certo, que estabelece uma perigosa e letal acomodação.
Antes de falar da verdadeira civilidade, por meio de um exemplo real, alguns tapas na cara de quem confunde progresso com desenvolvimento humano: na capital de São Paulo, o número de homicídios cresceu 23% em relação ao último ano, indicando que mais de quatro pessoas são mortas todos os dias. Ainda no quesito violência explícita, os roubos a banco cresceram 16% e as extorsões mediante sequestro 25% no mesmo período. Trata-se da cidade mais rica do país, locomotiva da economia nacional. Pura ironia, obviamente. Mudando de capítulo, outras estatísticas indicam que nos primeiros quatro meses de 2010 foram emplacadas mais de um milhão de unidades de automóveis no Brasil. Quem vive em cidades de porte médio ou grande sabe que a equação “mais carros e ínfimo investimento em transporte coletivo” resultará em um colapso. Mas para que pensar em colapso se é a hora de estourar champanhes pelo sucesso das vendas? Como diria Rui Barbosa, “ó, bucéfalos anácronos!”. Para terminar esta sessão de argumentos, a lista dos remédios mais vendidos em 2008 em solo tupiniquim indica o Rivotril – o tranquilizante já citado neste texto – na segunda colocação, ultrapassando produtos como Aspirina. Talvez isto justifique a sonolência frente a fatos tão contundentes.
Há uma tremenda confusão acontecendo: a era da informação é comemorada a torto e à direita e o mundo do conhecimento é aplaudido. Mas frente à realidade inegável fica claro que Píndaro tinha razão, ainda no sexto século antes de Cristo, quando dizia que “a sabedoria é o conhecimento temperado pela ética”. Informação e conhecimento não geram dignidade de vida se não forem sábias. Nesta mesma linha, dois dos mais expressivos gênios da humanidade podem completar o argumento: Benjamin Franklin dizendo que “a maior sabedoria consiste em descobrir como aumentar o bem-estar no mundo” e Sir Isaac Newton afirmando categoricamente que “construímos muros demais e pontes de menos”; certamente este não estava se referindo às obras da engenharia civil.
Como seria bom se Hércules fosse candidato a presidente do Brasil. Melhor ainda: se fosse candidato a governante do planeta Terra! Por quê? O mito de Hércules foi a base da formação do homem grego durante muitos séculos, dentro de processo amplo que se chamava Paideia (que durava praticamente a vida toda do indivíduo). Este momento da humanidade (anterior ao século quinto antes de Cristo) tem o direito – que o período atual não tem – de se proclamar uma civilização, embora não houvesse internet disponível nem celulares que fazem de tudo um pouco. Hércules, afinal, representa o caminho do herói, que descobre a duras penas que pela força bruta não se consegue o necessário aprimoramento. Em sua trajetória, enquanto ele usou braços, pernas e dentes o desastre foi completo. Iluminado pelas divindades Atená (sabedoria), Hermes (caminhos e meios) e Eros (paixão) ele aprendeu, entre outras lições representadas pelos seus doze trabalhos, a sufocar a sua violência interna, a vigiar seus vícios, a criar para si e respeitar os limites alheios, além de sempre dosar potência com gentileza e respeito a vida. Questões absolutamente urgentes nos dias atuais, marcado pela falta de respeito ao direito inalienável de nascer, viver e morrer com dignidade e honra.
Na Paidéia, o jovem aprendia a ler por volta dos nove anos e a escrever por volta dos 15 anos. Antes disso, conhecia com seu mestre a importância da ética e da virtude para a formação de um homem obra de arte. Pois qual o sentido de adquirir técnicas e mais técnicas se não for para aumentar o bem estar no mundo? Missão impossível passar pela Grécia e não citar Sócrates, até porque ele arremata esta questão dizendo que é preciso aprender logo cedo a ética e a virtude, pois caso contrário os vícios e a mentira se instalarão; afinal, para o conhecimento há a vida toda.
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