Eu nasci no mato. Mais precisamente no Mato Grosso. Sou cuiabano de chapa e cruz, como por lá costumamos dizer. Cresci às voltas com o meio rural. Contudo, seria exagerado e impreciso, na melhor das hipóteses, afirmar que eu sou um típico homem da roça. Meu pai o foi, com muito orgulho. Ele cresceu em um sítio no interior de São Paulo e viveu seus últimos anos em uma fazenda próxima a Cuiabá. Ciclo da vida, poder do eterno retorno. Por convite dele frequentei bastante o campo, às vezes por vontade própria, outras vezes para agradá-lo e desfrutar de sua companhia. Foi assim que eu conheci os bois. Os ditos populares são rica fonte de inspiração. Surgem não se sabe onde e se espalham como fogo em palha seca. Na linguagem escrita e, principalmente, na oral, sintetizam valores, representam costumes, simbolizam e colorem crenças, emprestam certo ar de sapiência à troca de conselhos. Por vezes são criticados pela ausência de profundidade epistemológica. Sabedoria rasa, dizem alguns. Mas será que as palavras devem ser responsabilizadas pelos atos de quem as profere? Serão simplórias as expressões ou trata-se da coerência entre o que se pensa, fala e faz? Se as palavras fossem nuvem que fazem chover, e as atitudes fossem gotas filhas dessas nuvens, grande parte das dificuldades humanas poderia ser resolvida com a repetição exaustiva de uma única palavrinha de quatro letras. Por amor ao leitor – olha a dica discreta da palavrinha mágica – está na hora de ir ao encontro dos bois. Exemplo de dito popular: histórias para boi dormir. Lá no Mato Grosso eu vi muitos bois dormirem. Cena engraçada. Parece que eles nunca param de ruminar e lançar seus rabos contra as moscas insistentes. Aliás, as moscas ganharam meu respeito quando descobri que Sócrates se considerava uma mosca a incomodar a vaca cansada que era Atenas. Literalmente, eu nunca contei uma história sequer para um boi dormir. Anotarei esta pendência em minha lista de afazeres vindouros. Metaforicamente, todavia, pessoalmente já contei, vi e sigo vendo muitas histórias sendo contadas por muitos para muitos bois dormirem. Rodízio de papéis entre boi e contador. Será que alguém é capaz de dizer que nunca foi vítima e/ou algoz desse tipo de situação? Apesar de a imagem literal ser chistosa, o sentido figurado deste dito popular é incômodo e potencialmente nocivo, especialmente quando contamina a estrutura de uma comunidade. Em termos mais amplos, vivemos em um país cujos sócios vêm tendo seus ouvidos gastos por promessas, justificativas, ironias, ou pior, silêncio indiferente e desrespeitoso. Acostumar-se a ser boi neste cenário (e aqui não quero ofender a comunidade bovina) causou danos sérios ao desenvolvimento brasileiro. Parece que precisamos de muito mais moscas para vencer a vontade de cochilar frente às conversas moles. Ainda no sentido figurado, em busca de um caminho mais luminoso, será que somente existem histórias para bovinos repousarem? Como ficaria o contrário desta expressão? Histórias para bois acordarem! Se tive a alegria de ter uma infância tranquila e repleta de afeto, tenho a alegria de viver uma vida adulta em meio a gente que conta histórias para bois acordarem. No caos da sociedade contemporânea, com desafios de várias naturezas e direitos humanos ainda violentados amiúde, resistem protagonistas que seguem espalhando palavras e atitudes de valorização da vida. Circulando em diversos rincões de nosso país e de outros, vi e vejo gente que desafia a ladainha que torce pela alienação generalizada. Gente que não se serve de seu talento exclusivamente para fins individuais, mas o utiliza para servir e ensinar a servir. Dentro e fora do terceiro setor (movimento da sociedade civil organizada) percebo mentores de tantas jornadas de heróis, em ONGs, empresas ou em oportunidades cotidianas. Multiplicadores de vozes para o coro das histórias que podem acordar mais e mais bois. Trazendo outro dito popular, se compararmos o Brasil a um boi, diz a expressão que ele só engordará sob os olhares cuidadosos de seus donos. Brindo aos sócios interessados e, portanto, interessantes, que não desistem de seu rebanho.