Mãos dadas


20 maio 2012

Cena que me emociona no tique-taque do cotidiano é o enlaçar de mãos. A expressão aperto de mãos menospreza o espírito do gesto. Mãos que se encontram em nome da verdade não se apertam, tampouco se sufocam, mas se libertam e plantam asas pela percepção de que não estamos sós na jornada. Em vez de aperto de mãos, prefiro transgredir e propor o abraço de mãos. São tantas as possibilidades e contextos nos quais essa atitude pode ganhar vida que fica impossível tratar em um único texto de sua sublime simplicidade rica. Talvez a velocidade recorrentemente sem direção de nossos passos nos afaste do tesouro embutido do toque de duas mãos. Chega a mim a imagem de duas raízes que se misturam, fontes primárias da vida de suas opulentas árvores. Pelos dedos correm sangue, seiva humana, que se celebram a oportunidade de encontrar repouso em um recanto quente que propõe uma troca, simbiose gratuita, energizando as duas partes. Por ora, contento-me em acionar a memória literal e simbólica para resgatar três de suas possibilidades. Todas me encantam, empolgam e depositam votos firmes na urna de minhas inocentes, ainda que desejadas, crenças na potência dos bons encontros. Gente grande caminhando ao lado de crianças. Contato íntimo entre gerações, com mãos maiores abocanhando as mãos menores. Esqueçamos a hierarquia, o controle, a proteção meramente física, pois aqui o papo é de outra natureza. O adulto – pai, mãe, avô, professor, irmão – oferece ao rebento tijolos capazes de construir pontes. Tudo isso em um simples abraço de mãos. Pelo enroscar de seus miúdos dedos à fortaleza dos dedos do adulto, a criança ganha altivez nos passos, caminha entusiasmada com a possibilidade da travessia rumo ao futuro. No verdadeiro gesto que se dá no presente, o adulto lúcido e apaixonado oferece um futuro de paz ao pequeno ser, que engajado na mesma proposta pode multiplicar e eternizar um ritual de existências respeitosas e respeitadoras. Ao oferecermos as nossas mãos às crianças, nós, queridos e distraídos adultos, talvez devamos dar o devido valor ao ritual sagrado que ali se estabelece. Menos força e mais afeto, menos pressão e mais afeição. Transformemos as justificativas atraentes, tal como a folga ou mau comportamento dos pimpolhos, em lembretes de nosso processo de desenvolvimento. Não existem dois abraços de mãos iguais, assim como nunca entramos no mesmo rio duas vezes. No próximo, quem sabe o desejo de qualidade no toque possa superar a pressa, o mau humor e as demais cólicas existenciais. Outra cena que me chega é o encontro de mãos amantes. No cinema, no barzinho, no caminhar pelo bairro, na sorveteria, no restaurante. Quando dois seres enamorados oferecem seus dedos ao outro, a natureza sorri em festa. Ampliam-se as chances de continuidade da espécie, tanto no sentido mais erotizado quanto afetivo. Assistir às três horas de um bom filme no escurinho do cinema com mãos enlaçadas amplia sensivelmente a possibilidade do restante dos corpos se entregarem com muito mais tesão e amor, tão logo encontrem um leito que permita a completude das carícias. Amantes que se abraçam também com as mãos enviam um ao outro um recado subliminar, algo sutil e contínuo, que abastece o projeto de vida em comum. Na certidão de casamento, assim como no sermão do religioso que faz a mediação da cerimônia, deveria haver uma cláusula e um tempo dedicadas com veemência ao tema, expressando que um casal que se preze e que pretende se aventurar nas mais lindas searas do amor, deve praticar com um sorriso no rosto o enlaçar íntimo dos dedos. Agora ou daqui a pouco, ou ainda, quando possível (e o possível também depende do que propomos), aconchegue a sua mão na mão que você ama. Assim, de graça, como um pássaro leve e cantante pousa no galho que o conduz ao ninho que guarda suas esperanças e capítulos do porvir, surpreendendo o outro que tantas vezes se mistura a você. Mãos que se abraçam me parecem muito mais potentes que a mais cara e opulenta das alianças de ouro ou diamante. E o melhor: você não precisa parcelar em inúmeras vezes em busca da quitação do débito contraído. O efeito é à vista, sem prestações, só com créditos e possíveis queimaduras deliciosas e imediatas de primeiro grau. A terceira situação se dá na circunferência de nós mesmos, sem a presença de um outro ser de carne. Refiro-me ao abraço de mãos em nome de uma oração, qualquer que seja o seu deus. Quando o gesto se apresenta nesse contexto, o objetivo é estabelecer uma conexão com o divino, em busca de um pedido, um agradecimento ou simplesmente uma conversa franca e amiga com aquele a quem você confia a sua fé e o seu projeto de eternidade. Em um templo ou na praça, de joelhos ou às vésperas de se entregar ao sono, quando as mãos de um mesmo ser se unem e buscam o contato transparente e sincero com a transcendência, as dores do mundo ganham cores de esperanças ou de gratidões, combustíveis limpos da vida vívida. Com muita vontade de abraçar mãos conhecidas e ainda desconhecidas, proponho algo mais: quando oferecermos as nossas mãos, extremidades máximas de nossos corações, completemos o gesto com a troca de olhares generosos. Aí, sim, algo de mágico pode acontecer, seja no encontro com a criança, amante ou divindade. Ofereço as minhas mãos desarmadas e nuas, cada vez mais crentes na potência dos bons encontros, ainda que as mãos de tantos sejam usadas para fins menos nobres. As minhas, sob meu controle, se estendem a você, que também deseja brincar, amar e orar por uma existência menos tola e mais bela.

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