O verso da gelatina


21 fevereiro 2014

Sempre achei gelatina uma coisa interessante. Viva, bonita e gostosa aos meus olhos e paladar e, à minha mente, intrigante. Não é sólida, mas tem uma consistência própria. É fruto de algum processo alquímico que provoca mutação entre o momento A e o B. Virou até adjetivo para outras situações.  Trocando em miúdos, é um item da culinária que tem a sua personalidade, e ainda assim consegue ser popular.

Mesuras feitas à gelatina literal, mergulho numa metáfora.

Eu nunca tinha feito gelatina. Sempre consumi a partir da preparação de outrem. Até a semana passada. No supermercado, passei pela gôndola e vi os saquinhos diversos. Como ando evitando guloseimas muito calóricas, considerei a hipótese de arriscar o preparo da gelatina light de frutas vermelhas. Além de agradar minhas pupilas gustativas e me ajudar a não castigar tanto a balança, ouvi dizer que ela também faz algum tipo de bem à saúde. Crendice ou não, os argumentos se somaram e eu tomei a decisão. Faria o meu debut no misterioso mundo gelatinoso.

Chegando em casa, guardei cada coisa em seu devido local. Ou quase. Não resisti e interrompi a arrumação das compras para me dedicar ao novo projeto. Estava receoso. Sinceramente eu não sabia como se preparava a gelatina. Minha intuição e senso de observação me cochichavam que não deveria ser complicado. Afinal, algo complicado não costuma ser encontrado a torto e à direita. De qualquer forma, a ignorância na matéria me causou um estado de atenção. Novato. Imaturo no mérito. Para completar, estava com vontade de comer a gelatina light de framboesa.  Não queria errar.

Vagarosamente, peguei o saquinho. Rendi-me humildemente e o virei. Lá estavam as instruções:

  1. Despeje o conteúdo deste envelope num recipiente. Adicione ¼ de litro (250 ml) de água fervendo.
  2. Mexa bem até dissolver por completo. Adicione mais ¼ de litro (250 ml) de água fria ou gelada.
  3. Coloque em 4 forminhas (ou numa forma grande). Deixe na geladeira até tomar consistência.

Não era possível quer essas fossem todas as instruções. Deveria estar faltando algo. Li as letrinhas miúdas do verso. Ingredientes, informações nutricionais e outros dizeres que não amenizavam o meu espanto. Era aquilo? Fazer gelatina dependia de apenas três etapas? Eu sempre estivera habilitado a prepará-la e perdera tanto tempo por insegurança e comodismo. Três simples etapas me deixariam autônomos em relação ao consumo de gelatina light de framboesa? Joguei-me na atividade. Cumpri rigorosamente as etapas. Tudo parecia bem. Fechei a porta da geladeira esperançoso. Horas depois, voltei para a apreciação. Hesitei na primeira colherada. Mas sorri ao saborear o resultado!

Eu tinha feito gelatina sozinho.

Tudo o que eu precisei fazer foi olhar a questão por outro ângulo. Observar o verso do que era óbvio para mim, percebendo que as coisas, às vezes, são muito menos complexas do que parecem. Comportamentos viciados pelo caminhar da vida podem estar nos afastando de preparar e aproveitar coisas gostosas, como gelatina! E vamos comer gelatina!