Nunca gostei de chamadas de vídeo. Em 2012, minha irmã passou um mês em intercâmbio e eu só tinha 11 anos. Todos os dias ela ligava pra minha família pelo Skype e contava o que ela tinha feito, aonde ela tinha ido e quem ela tinha conhecido, e eu honestamente não lembro de nada além da péssima qualidade da câmera, do quarto bagunçado em que ela estava e das suas cara de preocupação a cada vez que o áudio não funcionava e ela não conseguia nos ouvir direito (o que resume a maior parte da conversa).
Assim, já dá pra ver como, oito anos depois, uma pandemia que obrigaria o mundo todo a ficar confinado em suas próprias casas 24 horas por dia, sete dias por semana, me abalou profundamente. Eu via meus melhores amigos todo fim de semana. Saía para almoçar com os meus pais. Ia para a faculdade.
Tinha uma vida.
Todos nós tínhamos.
Os primeiros meses me adequando a ligações improvisadas, jogos online e câmeras desfocadas foram um desafio pesadíssimo pra mim, de tal maneira que agora é quase engraçado me lembrar como eu pude, com meus míseros 11 anos, me irritar com uma forma de contato tão essencial.
No fim das contas, talvez a gente passe tempo demais se irritando com o essencial até que ele suma de vez.
Pelo menos, alguns de nós.
Miguel e Pedro Henrique, com o auge dos seus seis anos, saíram em disparada nessa jornada. Para algumas crianças (e eu coloco aqui a minha versão magrela, de tiarinha e cabelo embaraçado), um sarau virtual não soaria nada interessante. Além da falta de apreço de permanecer sentada em frente a um computador, as eventuais travadas no vídeo, perdas de sinal e falhas no microfone previamente destruiriam a experiência. Junte a isso um sábado chuvoso, de quarentena, penoso de frio e de melancolia e se têm uma receita perfeita para um desastre.
Mas, não com esse time. Muito menos com essa dupla.
O sarau virtual se inicia com um carismático grupo de voluntários e voluntárias do EnCanta (programa de ludicidade, cultura e educação do Canto Cidadão), performando um enredo com dinâmicas e brincadeiras que só funcionam para quem se atreve a imaginar e não perder a fé, quando o mundo fica de pernas pro ar. E, para aqueles que se aventuram em esquecer por algumas horas do caos, a magia está além dos pixels: mais precisamente, dentro de um balde de pipoca agarrado carinhosamente por dois menininhos atentos, sorridentes e muito, muito participativos.
Vi meus olhos cheios de lágrimas ao menos quatro vezes, ao longo do show.
Não me lembro de ter chorado de saudade assim da minha irmã em nenhuma ligação de vídeo.
“Eu só continuo a história se o Miguel e o Pedro me derem um pouco de pipoca gente. Olha só que delícia, eu tô morrendo de fome!” brinca a Sol, uma das voluntárias do elenco.
Os dois sorriem. E, com a espontaneidade que só as almas mais evoluídas conseguem transmitir, estendem uma pipoquinha para a câmera.
Uma só pipoquinha.
Singela, simples.
Poderosa.
Poderosa como a força de um amor que resiste aos tempos de medo, descaso, pavor e solidão. Uma pipoca que conseguiu o impossível e, sim, ultrapassou a câmera e chegou na casa da Sol; da Isa; do Isaias; da Bia.
Chegou na minha também.
E eu não sei se sou capaz de descrever como seria incrível se pudesse chegar nas casas do mundo todo.
Eu nunca gostei de chamadas de vídeo. Mas sempre, em toda a minha vida e como qualquer outra pessoa no mundo, gostei de amor.
E é preciso desesperadamente acreditar que Miguéis e Pedros, mundo afora, ainda resistem, nos ensinando a amar.
Texto de Luíza Fernandes, voluntária do Time de Reportagem do Canto Cidadão.