Política de boa vizinhança


15 abril 2005

Por Felipe Mello

 

A prática da boa vizinhança é uma estratégia de convivência tão antiga quanto a formação das comunidades de nossa espécie. Seres humanos vêm buscando construir e viver harmonicamente em sociedade há séculos. A regra, entretanto e infelizmente, aponta para relações pouco saudáveis, quando muito frias e burocráticas. Obviamente que as exceções existem, benditas fontes de inspiração e esperança. Invariavelmente, na base da pobreza relacional está o desequilíbrio, seja ele de qual ordem for. Desde o emocional de vizinhos, independente das classes sociais envolvidas e motivos pertinentes, até a desigualdade social – que expõe os disparates de comunidades que vivem mundos distantes dentro de um mesmo espaço de terra – os atritos parecem ganhar corpo continuamente, tornando ainda mais distante o objetivo – utópico para alguns – de uma convivência pacífica e justa entre os homens.

Exemplos que gritam em altos brados as feridas sociais são os cenários formados pela proximidade de favelas e prédios luxuosos no Morumbi e em São Conrado (bairros nobres localizados na capital de São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente). Símbolos do desequilíbrio entre comunidades vizinhas, estão longe de estarem sozinhos. Todas as páginas desta revista seriam incapazes de abrigar casos semelhantes espalhados por todo o país. Até aqui nenhuma grande novidade, uma vez que o simples fato de olhar pela janela do carro ou transporte coletivo permite ao mais distraído dos leitores e ao mais relapso dos cidadãos a comprovação inconteste deste início de argumentação.

Então quer dizer que o exercício aqui proposto é uma elocubração sobre o óbvio ululante? Não. Definitivamene, não. O objetivo é aproveitar este espaço de forma muito mais útil, apresentando uma iniciativa que há quatro anos investe na transformação de relações potencialmente conflitantes em algo cada vez mais equilibrado.

Conhecida por criar complexos urbanísticos de alto padrão, a AlphaVille Urbanismo S.A., por meio da Fundação AlphaVille, tem como missão levar oportunidades também às comunidades existentes no entorno de seus empreendimentos. Para isso, mantém projetos de geração de renda e formação profissional, que receberam no ano passado R$ 2 milhões em investimentos, com projeção de outros R$ 2,5 milhões para este ano, a serem aplicados em iniciativas que têm como pontos-chave a preservação ambiental, a inclusão e a sustentabilidade.

A diretora da Fundação Alphaville, Mônica Picavêa, relata um processo interessante que ocorre no momento seguinte ao lançamento de algum condomínio da empresa. “As pessoas que residem no entorno dos empreendimentos, em grande parcela integrantes de comunidades carentes, acabam pressionados pela nova formatação do local. A estrutura que se cria ao redor do condomínio não oferece muitas oportunidades para as pessoas que ali residem, em função da pouca qualificação. Além disso, passa a existir uma pressão imobiliária de caráter especulativo, o que também potencializa o desequilíbrio”. O resumo da ópera indica que a chegada do condomínio, sem a devida tratativa social, é um fator potencialmente prejudicial ao dia-a-dia daqueles que compõe o entorno.

Esta consciência é a força motriz para que a fundação desenvolva suas atividades, alinhando sua atuação social a um conceito que já se provou vencedor em diversas localidades do mundo: investir no entorno da empresa ou da região onde seus empreendimentos estão situados. Poucas incursões de responsabilidade social corporativa são mais “rentáveis” quanto aquelas que investem no fortalecimento dos laços entre as partes, através de uma contínua demonstração de respeito e interesse no bem estar coletivo. 

“Procuramos o desenvolvimento da comunidade pelas potencialidades existentes. Em vez de focar puramente nas deficiência, buscamos aquilo que eles têm de melhor. Esta abordagem customizada e construtiva vem trazendo um desenvolvimento rápido para as comunidades”, informa Mônica.

O caso de Curitiba, existente há quatro anos, ilustra bem o potencial transformador deste tipo de parceria. Em 2001 foi criado um centro de convivência em Colombo, no Paraná, na região metropolitana de Curitiba, próximo ao AlphaVille Graciosa, “Além de funcionar como um espaço de lazer e convivência para as crianças e jovens da comunidade da favela de Vila Zumbi, que tem cerca de sete mil moradores, o centro oferece desde a sua criação cursos de formação profissional voltados a ofícios domésticos, jardinagem, artesanatos, e inclusão digital, como informática básica e uso da internet”, completa a diretora da Fundação Alphaville. Neste intervalo de tempo, mais de mil moradores de todas as idades participaram dos cursos, que têm de três a cinco meses de duração.

Algumas conseqüências da ação social no Paraná: das 200 mulheres que participaram do curso de costura no centro de aprendizado e convivência de Colombo, por exemplo, 92% conseguiram colocação no mercado e a média de melhoria de renda foi de 150%. No caso dos 160 idosos que concluíram o curso de artesanato, 98% ficaram ligados ao centro ou conseguiram colocar seus produtos em outros espaços, com um aumento de 100% na renda. Recentemente, a Associação dos Empreendedores da Vila Zumbi, formada por cerca de 100 moradores, assumiu a administração do Centro de Convivência da Graciosa, em parceria com a Fundação AlphaVille, que continuará a dar suporte às atividades. São fatos incontestes, que reforçam a importância do mergulho das empresas nas oportunidades de melhoria latentes perto de si.

Os benefícios podem ser vistos também na área ambiental: ainda em Curitiba, um levantamento indicou que cerca de 200 famílias da favela viviam da coleta de lixo na Vila Zumbi. A partir daí, uma cooperativa foi criada para administrar a coleta seletiva no condomínio, e a Fundação mobilizou os moradores do AlphaVille Graciosa para o auxílio na compra de prensa, carrinhos e outros equipamentos necessários. A Cooperativa dos Carrinheiros capacitou os associados com cursos de cooperativismo. Com a adesão maciça dos moradores do residencial e com a venda do material coletado (cerca de três toneladas por semana) diretamente para empresas de reciclagem, em duas semanas os cooperados tiveram um aumento de 70% na renda. Além disso, o rio Palmital se livrou dos rejeitos que antes eram depositados em suas margens pelos catadores. Hoje eles trabalham em um galpão e os dejetos do processo de seleção do material são coletados pela Prefeitura de Colombo.

Os resultados da experiência em terras paranaenses motivaram o início em diversas outras localidades, como Barueri e Santana do Parnaíba (SP), Goiânia (GO), Cuiabá (MT), Fortaleza (CE) e Salvador (BA), este último lançado em fevereiro de 2005. Também nesta última empreitada, desta feita em terras baianas, existe o desejo de promover o senso de propriedade por parte das comunidades beneficiadas. Este envolvimento é conquistado através do respeito às peculiaridades do local, evitando a introdução de projetos “enlatados”. A ação social recentemente inaugurada no Bairro da Paz, em Salvador (BA), reforça ainda mais este conceito: o primeiro passo foi realizar reuniões com a associação comunitária, em parceria com o Senac. Através desta interação, ficaram claras as demandas existentes. “A partir desta etapa, formulamos cursos de qualificação para empregadas domésticas, jardinagem, artesanato e informática”, relata Mônica Picavêa. “O ciclo se fecha com a sensibilização dos moradores do condomínio que, no momento da contratação de profissionais, podem consultar nosso cadastro de pessoas que freqüentaram os cursos”, completa ela. 

O desenvolvimento comunitário através de qualificação profissional, preservação ambiental, sustentabilidade e interação saudável entre os condomínios abastados e os moradores mais carentes do entorno vêm se provando uma estratégia positiva para a Fundação Alphaville, assim como para aqueles que são beneficiários de suas ações, direta ou indiretamente. 

Cuidado com a vocação do entorno. O que eles já fazem, procurar o desenvolvimento da comunidade pelas potencialidaes inerentes. Em vez de focar nos problemas, focar naquilo que eles têm de melhor.

Isto tem trazido um desenvolvimento rápido junto às comunidades.

As pessoas que estão no entorno são empurrados para longe, pois as obras do Alphaville trazem toda uma estrutura que torna a vida proibitiva. O esforço da Fundação é trazer a comunidade para perto, através de artesanato, curso de empregada doméstica. Ou seja, demandas e oportunidades que o grupo tenha para ser aproveitado na região.

O entorno muitas vezes não pode aproveitar a chegada do Alphaville por falta de capacitação e ofertas.

Quando existe uma estrutura a ser aproveitada, é aproveitada. Caso contrário, um espaço é construído.

Benefícios:

Os projetos fazem diferença para os moradores do Alphaville e também para a comunidade. Desde o princípio da empresa existia uma preocupação, mas ainda não havia nada estruturado. A boa vontade existia, mas era preciso mais, algo que pudesse transformar o entorno. Isto trouxe a profissionalização da Fundação, e esta no DNA da empresa. Existem formas de pensar diferente, mas complementares. Alguns moradores querem a melhoria do entorno pelos ganhos em segurança e valorização do empreendimento, mas também muitos desejam o desenvolvimento da comunidade do entorno. É vantajoso para os dois lados.Uma estatística da Vila Zumbi dos Palmares, em Curitiba, era o primeiro colocado em violência e o hoje é o quinto, passados 4 anos de investimento social.

Existe um centro de convivência no meio da Vila Zumbi dos Palmares, que vem colhendo muitos resultados. Em junho começou um levantamento que descobriu que 200 famílias viviam de coleta de lixo reciclável, os carroceiros. Eles guardavam em casa, e o que não era usado era descartado no Rio Palmital. Um problema de saúde pública. A Fundação alugou um galpão, chamou as famílias e começou a organizar uma cooperativa, para que eles trouxessem as coisas e pudessem vender como um grupo, potencializando os resultados e presenvando o rio Palmital. Os moradores gostaram muito do projeto e começaram a reunir valores para equipar – total de 35 mil reais – (balanças, carrinhos, prensas) a associação dos catadores.

Em São Paulo, a Cooperiara (cooperativa desenvolvida pela Prefeitura de Barueri) recebe o apoio da Fundação, que sensibiliza os moradores do Alphaville para contribuir regularmente. Os cooperados também sensibilizam através de campanhas.

Para Salvador, foi montado um Centro de Convivência junto a um bairro que tem 50 mil moradores, o Bairro da Paz. Em primeiro lugar a Fundação se reuniu com a Associação de Moradores e o Senac, para desenvolver um curso de empregada doméstica. Um exemplo: as pessoas não sabem como limpar vidro porque nas casas muitas vezes ele não existe nas janelas. Como se lida com cristais, cortar salada primavera, por exemplo, corte de alcatra e picanha. O curso começou em fevereiro e durará 3 meses e meio; acontecerão duas turmas por ano, atingindo 80 pessoas/ano. Além disso, haverá o CDI no centro de convivência (quase 200 pessoas por curso). Curso de jardinagem e horta (também foi demandado pela comunidade). A Fundação faz um cadastro dos profissionais capacitados, que está à disposição dos moradores para consulta na eventualidade de uma necessidade para uma determinada função.

Santana do Parnaíba: na comunidade de Vila Esperança, a Fundação AlphaVille ministrou um curso de reciclagem a 30 mulheres de catadores de lixo e organizou-as para a produção, que hoje chega a 220 peças diárias de bijouteria, a partir do papel, lata e outros materiais reciclados. A produção é vendida em bazares e já começa a dar resultados na geração de renda. Por meio de uma parceria com a ONG Planeta Criança, os filhos dos catadores foram afastados do lixão de Santana do Parnaíba, passando a ter um local em que recebem cuidados, brincam e desenvolvem atividades didáticas enquanto os pais trabalham.