FELIPE GUTIERREZ
DE SÃO PAULO
Atuar como voluntário não significa apenas doar tempo e disposição a uma causa. De um ponto de vista pragmático, isso é útil para o desenvolvimento da carreira, especialmente no início.
"No trabalho voluntário se vê na prática como é gerir estoque, controlar fluxo de caixa ou fazer um plano de gestão de pessoas", afirma o economista Daniel Bellissimo, 23, presidente do centro de voluntariado universitário da USP de Ribeirão Preto.
Em pouco mais de dois anos, cerca de cem estudantes participaram da iniciativa. Eles querem ajudar causas nas quais acreditam mas, como bônus, aperfeiçoam os conhecimentos acadêmicos.
Na hora da disputa por uma vaga, esse tipo de trabalho pode fazer a diferença. Um levantamento feito pela consultoria Deloitte nos EUA e publicado em julho apontou que os recrutadores valorizam candidatos quem têm esse tipo de experiência.
Mais de 80% dos 202 executivos de recursos humanos ouvidos reconhecem que candidatos que atuaram como voluntários usando suas habilidades profissionais são mais atraentes.
Segundo Maria Ester da Cruz, orientadora de desenvolvimento de carreiras da faculdade Insper, as empresas se interessam por quem foi voluntário porque estão atrás de quem tem experiência.
"Um recrutador que escolhe alguém que participou de trabalho voluntário não está pensando na imagem de bom moço da pessoa, mas em alguém que tem meio caminho andado no desenvolvimento profissional", afirma.
Segundo Cruz, em entidades do terceiro setor desenvolve-se competências gerais, mas importantes, como atuar em grupo e ter empatia pelo interlocutor, que, diz, são comportamentos demandados pelas empresas.
No caso de Sarah Morais, 25, o trabalho voluntário serviu para aprender, mas ela acabou trocando o emprego em uma consultoria pelo de gestora da ONG Cidadão Pró-Mundo. Ainda na faculdade, ela começou a se envolver com a organização, na qual dava aulas de inglês.
Em menos de seis meses assumiu funções de gerência na ONG. Em sua nova posição, ela se aprofundou nos estudos de planejamento estratégico.
Formada, foi trabalhar em uma empresa de consultoria. Mas neste ano, virou a primeira contratada da ONG. Ela é a coordenadora geral da instituição. "Eu não imaginava, quando me voluntariei, que iria mudar minha trajetória de carreira. Hoje tenho que administrar 350 voluntários e só tenho 25 anos."
O publicitário Diego Uzuelli, 25, largou o emprego em uma instituição financeira para se dedicar mais à Teto, que constrói casas para pessoas extremamente pobres.
Na ONG, ele precisa formular textos mais cuidadosos do que estava acostumado, para não expor os atendidos. "O Teto cuida muito da imagem perante à sociedade e perante às empresas."
Funcionários de grandes empresas que fazem intermediação de trabalho voluntário também aprendem algo inédito para eles. Foi o caso do gerente de marcas da IBM Luiz Buccos, 39. Ele é da área de marketing, mas, pela multinacional, prestou consultoria de logística a uma firma pequena na China.
Antes de ir, leu artigos e livros fornecidos pela IBM. "Os donos da empresa queriam melhorar a gestão de recursos humanos. Aí fui entender como aplicar isso para a área de logística", conta.
A ideia é que, ao prestar esse serviço para a pequena empresa de forma gratuita, ele irá aprender algo com o qual não está acostumado e, ao mesmo tempo, credenciar-se como um possível líder global da multinacional.
PREÇO BAIXO
No Itaú-Unibanco, a trainee Vanessa Passoni Silva, 23, trabalha na área de controle de riscos.
Ela e outros trainees prestam consultorias a ONGs em um projeto chamado Transformação. "Aprende-se a negociar de forma mais intensa", afirma.
Ela queria plantar grama em um barranco que fica ao lado da sede da ONG. "Só que grama é caro", diz. Ela tentou convencer fornecedores a fazerem doações. "As primeiras negociações foram frustradas. Só tivemos sucesso quando abordamos doadores de um jeito convincente e personalizado", conta.
Fábio Bibancos, fundador da ONG de dentistas Turma do Bem, também conta que, por causa do voluntariado, fez coisas que jamais imaginava para sua profissão. Ele lista algumas: aprender a fazer convites de eventos e palestrar em Davos com Bill Gates na plateia.
SELEÇÃO
Aline Carneiro de Souza, 21, estuda enfermagem e trabalha como voluntária no Hospital Sabará. Ela conta que já perguntaram a ela se faz isso para ganhar experiência. Souza diz que não: "Eu queria agregar algo à sociedade."
Entre enfermeiros, o voluntariado para ganhar experiência é comum.
No hospital Amparo Materno, em São Paulo, há um processo seletivo. "Recebemos os currículos e fazemos entrevista com quem quer ser voluntário", conta a coordenadora Ana Paula Micaro, 40.
Nas instituições que têm muita oferta de mão de obra não remunerada, o voluntário que chega só para aprender pode ser rejeitado.
Segundo Silvia Naccache, do Centro de Voluntariado de São Paulo, o receio é que eles abandonem a ONG assim que aprenderem o que queriam.
Fonte: Folha de S. Paulo