Um minuto de silêncio


6 novembro 2015

pela janela do meu quarto eu vejo um punhado de coisas.

vejo carros apressados querendo aproveitar o semáforo, ainda que ele já esteja na fronteira do amarelo com o vermelho.

alunos com passos e vozes de diversos tamanhos e volumes a caminho da universidade.
mais tarde, os mesmos alunos com passos e vozes menos intensos na volta da universidade.

vejo quatro árvores enormes, que perderam suas folhas no outono e no inverno, recuperando aos poucos o seu verde no início da primavera.

há alguns dias, no entanto, vi algo diferente, mais comovente que o ordinário e repetitivo cotidiano.

por volta da meia noite, como de praxe, um barulhento caminhão apontou no início da rua recolhendo o lixo, ou se preferirem, os resíduos produzidos por quem trabalha e mora no entorno.

(sorte que eu durmo mais tarde.)

naquela noite, eu estava à janela, quando vi um dos catadores correr à frente da equipe. sua função é adiantar o esquema e pegar os sacos pretos, deixando-os no jeito para ser recolhido instantes depois pela turma que vem no caminhão.

foi o que ele fez. depois do pique, empilhou diversos sacos em frente a um edifício.

e, então, parou. aliás, não só parou.

ele se deitou numa mureta que delimita o jardim quase bonito do prédio.

não só se deitou. ele se esparramou naquele colchão de pedra.

sua pausa duraria menos de um minuto. mas a forma como ele se entregou ao relaxamento naquele ínfimo espaço de tempo me tocou.

ele esticou suas pernas, colocou um dos braços sobre a barriga e deixou o outro escorregar pela mureta.

e fechou os olhos.

do quarto andar eu pude ver as suas inspirações e expirações. profundas.

além do que vi, inventei o que senti e senti o que inventei da realidade daquele rapaz.

para ele, um minuto parecia ser uma pausa nobre na correria. um distanciamento do mau cheiro e do leva-e-traz do peso pesado.

quando eu estava me perdendo na contemplação daquela imagem, aquela estátua viva em puro estado de relaxamento, ele, de um salto, se pôs em pé e começo a atirar os sacos na boca cheia de dentes da parte traseira do caminhão.

aquele minuto de pausa foi uma das coisas mais intensas que eu já vi pela minha janela.

muito mais do que os carros apressados e do que as pessoas apressadas. tão banais e tão repetitivas.

intensidade do porte da renovação das quatro árvores imponentes que vejo amiúde, há tanto tempo perdendo e reconstruindo folhas, insistindo em viver em meio ao caos bruto do mundo artificial que hoje as cercam.

descanse sempre em paz, amigo lixeiro.