Muitas vezes a figura do morador em situação de rua está condicionada ao assistencialismo. No país, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, cerca de 32 mil pessoas utilizam as ruas como moradia. Um dos municípios com a maior concentração dessa população é Brasília: quase dois mil habitantes. Por lá, uma iniciativa da UnB (Universidade de Brasília) quer fortalecer a luta dessa população e empoderá-la para lutar pela garantia de seus direitos. Criada no início do mês, a Escola de Formação Permanente para o Protagonismo do MNPSR (Movimento Nacional da População em Situação de Rua) é um programa de extensão com o intuito de dar uma formação para que homens e mulheres que vivem nas ruas do Distrito Federal possam discutir e garantir condições mais dignas, como moradia, saúde e educação.
As aulas vêm sendo realizadas há pouco mais de duas semanas para 20 alunos. Os encontros acontecem quinzenalmente no campus Darcy Ribeiro e na Faculdade UnB Ceilândia. A iniciativa é coordenada pela pesquisadora Rose Barboza, em parceria com a professora Maria Lúcia Leal, do Departamento de Serviço Social da UnB.
“A iniciativa nasceu em Brasília por ser uma das regiões mais desiguais do país”, afirma Maria Lúcia. Essa disparidade social é escancarada pelos dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que mostram que pelo menos 2% (dos 2,5 milhões de habitantes) do Distrito Federal passam o mês com menos de R$ 67. Segundo pesquisa realizada pela UnB, em 2011havia pelo menos, 2.500 pessoas vivendo em situação de rua no DF.
A Escola de Formação deu seus primeiros passos em abril do ano passado, quando foram realizados os primeiros encontros com a temática. De lá para cá, a ideia ganhou corpo e agora fazem parte da escola seis estagiários da graduação em serviço social, duas coordenadoras e um auxiliar administrativo.
Os alunos participantes são moradores de rua, catadores de lixo e materiais recicláveis, além de pessoas articuladas ao MNPSR, entidade sem fins lucrativos espalhada por diversos municípios do país que busca conscientizar politicamente indivíduos que vivem em situação de rua. Em 2010, o movimento criou a cartilha Conhecer para Lutar, também com a proposta de formação política para essa parcela da população e disponível gratuitamente na internet.
A formação acontece até dezembro por meio de oficinas e debates a partir do Método Paulo Freire, metodologia que parte da experiência de vida das pessoas, de suas realidades social e política. Criado na década de 1960, no Nordeste, Freire desenvolveu essa metodologia por conta da gigantesca quantidade de trabalhadores rurais sem qualquer tipo de escolarização no país, sobretudo na região. Esse método, criado essencialmente para levar alfabetização a jovens e adultos, parte do cotidiano desses alunos para não apenas levar o aprendizado da escrita e da leitura, mas, em especial, da visão e compreensão do mundo.
Maria Lucia afirma que as aulas acontecem por meio de oficinas e debates, que utilizam a vivência dessas pessoas, considerando ações que lhes são rotineiras, como a catação de lixo ou outras da própria realidade da rua. Entre os assuntos abordados estão a discriminação e violência, assistência social, moradia, oportunidades de trabalho, saúde, educação, cultura, lazer e esporte. “A proposta é fazê-los discutir e entender quais são seus direitos, onde procurar ajuda e, principalmente, mudar a visão de que essa população é refém do assistencialismo”, diz.
Segundo ela, a ideia é que a iniciativa possa ser assumida por um colegiado após o fim do semestre. Para isso, os estudantes estão sendo mobilizados para que deem permanência à escola de formação. “A cidadania não se faz só no campo da assistência, mas da saúde, da educação, da ciência, da política e dentro do tripé da universidade. Queremos conseguir parceiros nessa iniciativa”, planeja ela, que já vem realizando as primeiras parcerias. Entre elas, a com o Núcleo de Estudos da Infância e da Juventude, do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares e do Grupo de pesquisa sobre Tráfico de Pessoas, Violência e Exploração Sexual de Mulheres, Crianças e Adolescentes, do Departamento de Serviço Social da UnB.
Fonte: Instituto Porvir