Texto de Felipe Mello (maio de 2019)
Desde que eu comecei a minha jornada no terceiro setor, de
forma mais cotidiana, em agosto de 2001, sempre gostei da expressão “sociedade
civil organizada”. Era a forma como eu gostava de compreender, e ainda gosto, a
nuvem na qual as atividades do terceiro setor e de seus integrantes, estavam
inseridas.
Tantos anos depois, cada uma das palavras que compõem tal
expressão me toca de forma mais complexa. E, por complexa, eu não quero dizer
complicada, desajeita, difícil, apenas. Estou me referindo, em especial, ao
conceito proposto por Edgar Morin, sociólogo francês. Para ele, a complexidade é
uma alternativa à especialização em demasia, ou ainda, à simplificação e
fragmentação de saberes. Complexidade em seu sentido etimológico latino,
“aquilo que é tecido em conjunto”.
Pois bem. Antes de tecer e entretecer as palavras que desejo
desfragmentar, quero lembrar que, atualmente, considero o terceiro setor muito
mais amplo que o território das organizações formalizadas, com CNPJ, estatuto,
conselheiros e afins. Desejo compreender mais, participar mais e nutrir mais o
espírito do terceiro setor, ou ainda, o espírito da sociedade civil organizada.
Ainda buscando acolhimento nas palavras de Morin, fica mais
e mais notória a relevância das incertezas e das contradições, como partes da
vida e da condição humana, assim como a relevância da solidariedade e da ética
como caminhos para a organização dos seres e seus saberes.
Assim, como lição de casa interminável do terceiro setor, o
fomento de uma sociedade com um conjunto mais lúcido de sócios, com direitos
equitativos preservados, assim como deveres equitativos demandados. Também, com
a defesa inalienável do diálogo, ainda que na divergência, como mantra de quem valoriza
e defende a democracia. Quanto às intolerâncias e violências, que elas encontrem
seus limites, ainda que na letra das leis, que preservam a humanidade de si
mesma.
Sobre a civilidade, a vontade de fortalecimento, tanto no
sentido ético cotidiana, nas atitudes, como também no afastamento da ideia
rançosa e velha de militarização como solução. Penso que qualquer tentativa de
revisão histórica deva ser combatida, com veemência, pelos integrantes do
terceiro setor. O fato do questionamento da existência de uma ditadura militar no
Brasil, entre 1964 e 1985, já é uma agressão à memória de colegas de outra
época que, mortos, desaparecidos e torturados, abriram caminhos a fórceps, para
que, hoje, pudéssemos agir com mais liberdade, em nome de nossas causas.
E, que o terceiro setor se organize, mais e melhor, para
ajudar a sociedade civil a se organizar, mais e melhor. Por organização, volto
à garantia de direitos e à preservação de conquistas que, recentemente,
começaram a sofrer ataques severos. Que o terceiro setor ajude a proteger o
direito de manifestação. Que o terceiro setor ajude a proteger a diversidade
humana. Que o terceiro setor ajude a proteger o meio ambiente. Que o terceiro
setor ajude a proteger a educação pública. Que o terceiro setor ajude a
proteger as relações internacionais. Que o terceiro setor ajude a proteger a
pluralidade partidária. Que o terceiro setor ajude a proteger os poderes
constitucionais. Que o terceiro setor ajude a proteger as minorias e o direito
à vida.
O Brasil é complexo, também, no sentido de complicado e
difícil. Mais um motivo para o abraço ao conceito do sociólogo francês, em
busca de juízo para preservar a possibilidade de tecermos, juntos. Para a
invenção conjunta de caminhos que permitam a fuga da ignorância e das
pretensões de verdades absolutas. Que venham menos pontos finais e mais
vírgulas, menos caneladas e mais compreensão e conhecimentos diversos, humanos.
O terceiro setor das minhas ideias e sonhos – hoje,
fragilizado por tanto silêncio de tantos de nós – é, para mim, a esperança viva
do mestre Paulo Freire, quando ele diz que “num país como o Brasil, manter a
esperança viva é em si um ato revolucionário.”
Viva a revolução. Viva o terceiro setor.
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