Paro em frente ao prédio de 15 andares. O carro ficou em um estacionamento duas quadras abaixo, naquela rua íngreme que mais parecia um Everest particular. Muito provavelmente o meu cansaço físico e emocional após cinco dias de intensas atividades profissionais e desafios particulares eram a razão de tamanho exagero em relação à rua. Era uma rampa sim, mas nada mais do que uma pequena ladeira.
No prédio em questão está situado há 50 anos um hospital público da capital de São Paulo, local para onde eu me destino todas as sextas-feiras após o expediente, há quatro anos. Naquele local eu venho desenvolvendo um processo de fortalecimento das minhas habilidades interiores. E tenha certeza que não estou me referindo a um tipo qualquer de tratamento do corpo, pois apesar de um tanto quanto sedentário, nenhuma grande tormenta física se abateu sobre mim. O que eu trabalho naquela unidade da saúde, desde o momento da entrada até a saída, são as minhas competências de relacionamento interpessoal, entre tantas outras.
Naquele local eu exercito uma potencialidade há muito adormecida, e que vinha me fazendo muita falta: a capacidade de me relacionar com o outro e com o mundo de uma forma alegre, bem humorada e entusiasmada. E por falar em entusiasmo, outro dia aprendi a definição do que é uma pessoa “entusiasmada”. Trata-se de alguém que tem Deus dentro de si, qualquer que seja Ele, neste caso cumprindo um papel de ser superior e inspirador, nada que ver com uma religião A ou B. Gostei da definição, pois ter a centelha da divindade vibrante dentro de si é uma fórmula interessante para buscar a evolução contínua. Até mesmo porque, atualmente, o que mais percebemos são pessoas “emburradas” e não “entusiasmadas”. Na minha definição bem particular, “emburrada” é aquela pessoa que tem o burro dentro dela. Daí eu fiz a minha opção.
O meu exercício consiste em uma atividade simples, ainda que aparentemente complexa. Visto-me de palhaço e, voluntariamente, visito os andares do hospital, fazendo o que estiver ao meu alcance para levar alegria, promover a auto-estima ou simplesmente ouvir os pacientes, acompanhantes e profissionais que ali estão, sejam eles adultos, idosos ou crianças. E pasme você, eu não sou palhaço formado, e na maioria das vezes nem me acho tão engraçado. O que me motiva a fazer esta atividade e o que vem possibilitando o seu sucesso é a relação honesta que eu tenho com a atividade voluntária. Sei e sinto que se trata de uma via de mão-dupla: eu ganho ao mesmo tempo que dôo, e dôo ao mesmo tempo que ganho. Este é o sentido do voluntariado para mim, desenvolvimento pessoal e equilíbrio social.
Os benefícios de quem se voluntaria regularmente, em uma das centenas de atividades disponíveis em uma das milhares de ONGs ou projetos informais espalhados pelo Brasil ou mundo, transcende absurdamente o impacto social da ação em si. Para o ser humano protagonista – que descobre uma iniciativa social que lhe dá prazer (fundamental) e começa a se dedicar assiduamente – as conquistas são mais do que justificáveis para o esforço de estica-e-puxa que se é necessário fazer nas tresloucadas agendas dos dias atuais.
Sem ir muito longe em divagações teóricas e abstratas, habilidades como relacionamento interpessoal, tolerância à diversidade, exercício da criatividade e pró-atividade, trabalho em equipe, humildade e respeito são constantemente fortalecidas em atividades voluntárias, pois compõe a natureza das ações que se pautam pela correção. Estar em contato com o outro por decisão própria, sem interesses materiais e grandes expectativas envolvidos, permite ao ser humano entrar em contato com a sua essência, revelando competências que há muito estão adormecidas, e que, via de regra, fazem falta no dia-a-dia das corporações (e desafios pessoais) de quaisquer tamanhos.
Estudos recentes das mais respeitadas instituições de ensino e pesquisa mundiais confirmam a tese de que a inteligência emocional é cada vez mais decisiva para o sucesso dos empreendimentos (por intermédio do sucesso dos indivíduos), estejam eles em que áreas estiverem. Harvard é categórica quando afirma que “atualmente 80% do sucesso de um indivíduo deve ser creditado às suas habilidade de criar e aplicar emoções inteligentes em suas relações; enquanto que apenas 20% do mesmo sucesso deve ser creditado às suas habilidades cognitivas, ou seja, ao conhecido quociente de inteligência, o QI.”
Para quem contrata e faz a gestão de recursos humanos, apostar em ações de protagonismo social envolvendo suas equipes de colaboradores se apresenta como uma estratégia atual (ainda que antiga) e revolucionária, pois pode trazer resultados positivos para a empresa e para as comunidades beneficiadas. Os benefícios que a empresa pode colher ao incentivar o voluntariado também vão além do desenvolvimento pessoal (e conseqüentemente de seus grupos), pois leva a empresa à estrada da responsabilidade social, indispensável em nossos dias, seja em função da concorrência ou cobrança dos clientes.
Como não se cansava de repetir Madre Teresa de Calcutá, “nós nunca compreenderemos a força que um sorriso pode ter”. Adicionando uma pitada de Aristóteles na panela, quando ele afirma que “o prazer aperfeiçoa a atividade”, reforço que o ser humano tem muito a ganhar com a atividade voluntária, que fortalecerá uma série de habilidades e competências, tornando-o mais preparado para lidar com os desafios pessoais e profissionais, com a sensação explícita de estar na direção correta, pronto para acelerar sem correr tanto perigo (diferente de risco, que é calculado) nas curvas do caminho.
Ao sair do prédio em que entrei no começo deste texto, desço a rua em direção ao meu carro. Tudo bem que na descida todo santo ajuda, como dizem por aí. Mas ajuda especialmente se nos fortalecemos por intermédio da compaixão e entusiasmo pela possibilidade de crescer ajudando a crescer.
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