Ópera da diversidade


15 outubro 2006

Uma história em três atos, unida pela linguagem comum que aproxima brasileiros

Um dos maiores poetas da música brasileira está apresentando seu novo espetáculo em São Paulo. Eu ainda não fui prestigiá-lo, e tal desejo será cumprido assim que questões pessoais de ordem financeira forem minimamente remediadas. Creio que o leitor não está interessado em meus motivos, e sigo adiante, contando em prosa alguns episódios que aconteceram nas últimas semanas, que confirmam ainda mais o poder transformador do protagonismo social, que une pessoas e fortalece o respeito à diversidade e o exercício coletivo da cidadania, a partir do indispensável desenvolvimento pessoal.
Para contar a ópera vivida pelo Canto Cidadão – organização na qual atuo como gestor – em três locais distintos de nosso país, quero mencionar outras três obras que fizeram história. Elas estão diretamente relacionadas aos episódios por nós vividos? Definitivamente, não muito. Mesmo assim são dignas de nota, e quem sabe desta forma eu consiga pintar este texto com alguma tinta de cultura mais refinada.
Em 1978 o Brasil se reencontrava aos poucos com a liberdade de expressão, e vivia-se um clima de abertura e anistia. Foi neste momento histórico que Chico Buarque (esclarecendo que é este artista que está em São Paulo com seu show) desenvolveu a trama da “Ópera do Malandro”, que conta a trajetória de decadência da malandragem carioca da Lapa nos anos 40. Esta obra foi inspirada em duas outras, “Ópera dos Mendigos” (John Gay, 1728) e “Ópera dos Três Vinténs” (Bertolt Brecht e Kurt Weill, 1928), e foi encenada em 1978 e também em 2003. Nas três a arte épica aparece, ou seja, vêm à tona assuntos de interesse social. Assim como nas nossas histórias, todas visceralmente conectadas.

Além da Madeira-Mamoré
A mini-série televisiva acabou. Na verdade a própria ferrovia (Madeira-Mamoré) quase acabou também. Mas o que não acabou foi a vontade de fazer a diferença que encontramos em nossa visita a um hospital filantrópico nos arredores de Porto Velho, Rondônia. Trata-se de uma unidade de saúde ligada à obra assistencial das Irmãs Marcelinas, e que há mais de cinqüenta anos atende um público bastante especial, os hansenianos. O início do trabalho do atual Hospital Marcelo Candia foi como um leprosário, termo utilizado durante muito tempo para definir o local para onde seguiam as pessoas que tinham lepra (hanseníase). Estas eram praticamente arrancadas do seu convívio social e levadas para lá, distante quase 20 quilômetros da cidade. Mesmo com a informação de que a doença não era transmissível após o início do tratamento, foram anos e anos de sensibilização e exemplo para que a sociedade voltasse a se aproximar e participar mais do dia-a-dia das pessoas internadas.
Atualmente, o voluntariado dá sinais de fortalecimento na instituição, trazendo cidadãos para o convívio e relacionamento dos pacientes. Ademais, atendidos hansenianos trabalham atendendo outros pacientes, não necessariamente com a mesma doença.
Primeiro ato da ópera: diversidade saudável se faz com respeito ao ser humano, algo que vai além da saúde ou doença, para não se falar em gênero, raça, opções individuais e outras formas de diversidade.

Salão de beleza para fora e para dentro
Logo depois da visita a Porto Velho, a expedição do Canto Cidadão seguiu para Cuiabá, Mato Grosso. Lá pude sentir o sabor de um fruto muito especial, aquele que nasce em uma árvore que ajudamos a plantar.
Voltando poucos meses na máquina do tempo, chegamos a uma ação social organizada pelo Canto Cidadão, e que contou com a participação de colaboradores da Gol Linhas Aéreas na capital mato-grossense. Na oportunidade, visitamos o Asilo Dona Bebe, para uma tarde de embelezamento do corpo das senhoras e senhores, e também troca de histórias e carinhos na alma. Após o evento, ficou nítida a satisfação daqueles voluntários que em sua maioria faziam uma ação social pela primeira vez. Em mim, ficou a esperança de que aquele tinha sido apenas o primeiro passo.
Voltando pela mesma máquina do tempo, o fruto a que me referi foi a informação recebida de que os mesmos colaboradores da empresa, após aquele evento, adotaram a organização social (anteriormente desconhecida por eles) e passaram a desenvolver outras ações para contribuir com a melhoria da qualidade de vida dos idosos internados, pois identificaram o potencial transformador do voluntariado e engajamento para si mesmos e para o coletivo.
Segundo ato da ópera: diversidade saudável se faz com informação e exemplo, que impulsionam grupos no sentido da construção de um caminho próprio.

Na rota do descobrimento
A terceira parada da história se deu na primeira terra avistada por Cabral, há mais de 506 anos. Estivemos também no sul da Bahia, mais especificamente em Porto Seguro e Eunápolis, cidades próximas uma da outra 50 quilômetros. Nestas duas localidades os Doutores Cidadãos, voluntários do Canto Cidadão que atuam com palhaços em ambiente hospitalar, fizeram palestras para profissionais da saúde e visitaram hospitais públicos. O resultado foi imediato, com os participantes se identificando com a linguagem bem humorada e entusiasmada dos visitantes, e percebendo que é possível aliar competência técnica (caixa de ferramentas) com inteligência emocional (caixa de brinquedos) para construir relações interpessoais mais saudáveis em sua diversidade. A contaminação positiva já rendeu convites para um breve retorno, pois outras pessoas e locais podem se beneficiar com a mesma mensagem.
Terceiro ato da ópera: a crença no potencial do entusiasmo (a partir da identificação do valor da missão) é capaz de melhorar substancialmente a convivência entre pessoas diferentes e muitas vezes divergentes. Madre Teresa de Calcutá há tempos desafia os céticos nesta matéria com a frase “nós nunca compreenderemos o quanto um simples sorriso pode fazer”.

Uma obra para todos os palcos
A Ópera da Diversidade, humildemente apresentada em breves relatos – todavia vivida em suas muitas nuances durante estes 12 mil quilômetros percorridos -, deixa clara a possibilidade de melhoria de diversos tipos de ambientes, a partir da sensibilização e orientação dos seus atores, primordialmente conquistada a partir do reconhecimento do outro como potencial parceiro na transformação individual e equilíbrio social.
E as outras óperas citadas no início do texto? São excelentes, e merecem a nossa atenção e respeito. Algum leitor pode ter achado dispensável tê-las citado. Pode ser. Mas como estamos falando de diversidade, espero de todos a tolerância ao meu desejo de citá-las. E tenho dito!

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